quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Entrevista de Jerónimo


Entrevista de Jerónimo de Sousa ao "Público"


Jerónimo de Sousa. O secretário-geral do PCP assume o seu partido como alternativa à política do Governo, mas os comunistas têm condições precisas para virem a negociar com o PS. Até porque consideram que os socialistas têm "compromissos" com a política de direita e com o memorando

Entre 30 de Novembro e 2 de Dezembro, realiza-se em Almada o XIX Congresso do PCP. Um conclave partidário onde não se anunciam alterações ao que é o programa e o ideário do partido. Jerónimo de Sousa, secretário-geral, que aos 65 anos será reeleito, explica as margens da disponibilidade do PCP para entendimentos políticos.

Não haverá alterações ao voto contra do PCP ao Orçamento do Estado, na terça-feira? 

Não há alterações na medida em que o problema está no documento, que tem como matriz fundamental o mais brutal assalto fiscal da nossa história democrática.

O ministro Vítor Gaspar voltou a insistir na necessidade de repensar as funções sociais do Estado. Como é que o PCP pretende evitar o desmantelamento do Estado social? 

É importante descodificar o que é isso de refundar as funções sociais do Estado. No essencial refere-se a aplicar um golpe profundo em funções sociais como a Educação, a Segurança Social, a Saúde. Criando uma concepção de um Estado assistencialista. Afirmando que o Estado não pode suportar a dependência dos portugueses, quando, na prática, sabemos que os portugueses, pelas vias dos seus impostos e do pagamento dos custos da saúde e do ensino, já contribuem para essas funções sociais. É uma falsidade que procura, no essencial, corresponder a um projecto.

Como é que o PCP pretende evitar isso? 

Impedindo os cortes brutais que estão ensejados. Consideramos que através de outra política fiscal, outra política de redistribuição da riqueza, é possível e justificável manter essas funções sociais. Mas o grande problema é que este Governo está direccionado para servir os grandes interesses. Fazem algum favor em relação à Segurança Social, em que as pessoas descontam a vida inteira? Fazem algum favor em relação à Saúde, quando hoje, em termos da União Europeia, as famílias portuguesas são as que mais pagam? Fazem algum favor em relação à Educação, quando a existência de propinas leva a que muitos estudantes já não tenham condições de ter um direito que a Constituição considera fundamental? Portanto, há aqui uma mistificação tremenda. Essa ideia de que não há dinheiro tem que ver com o destino que este Governo quer dar ao dinheiro que existe.

O PCP não devia juntar-se ao PS e ao BE para tentar renegociar a dívida e o memorando? Não devia haver um esforço de aproximação ao PS? 

O PCP foi o primeiro, a 15 de Abril passado, a apresentar uma proposta de renegociação da dívida. O grande problema é que o PS vai anunciando propostas e não é capaz de clarificar o seu grau de comprometimento com o memorando.

Mas António José Seguro não é José Sócrates. E quem lê as teses ao Congresso só lê críticas violentíssimas ao PS, desde Mário Soares. Dizem que o PS obedece a "centros de oligarquia financeira". O Seguro faz isto? Não é um discurso muito duro? 

Mais do que duro é real. A política de direita começou com Soares.

Passaram 40 anos. Há novas gerações.

Mas num quadro de alternância, ora o PS, ora o PSD, com ou sem CDS, prosseguiram essa política. Admito que haja diferenças entre Seguro e Sócrates. Mas, por exemplo, nos debates com o primeiro-ministro sente-se sempre o PS agarrado e comprometido, porque a direita permanentemente lhe faz lembrar o seu compromisso com um documento, que é preciso quanto às medidas que comporta.

A direita consegue encontrar um mínimo denominador comum que permite aos dois partidos governar. O PS ou o faz sozinho ou não tem da parte do PCP nenhuma abertura para fazer uma alternativa...

Não há problema nenhum em relação ao diálogo. O problema de fundo é que sempre, sempre, ao PS lhe pula o pé para políticas que a direita acolhe e com que se identifica.

O PS é hoje mais próximo da direita do que da esquerda? 


É um partido que pratica uma política de direita.

Não há também um problema de imutabilidade do PCP? Muitas das propostas concretas do PCP e do BE são próximas e até idênticas, até na convergência da acção parlamentar, mas quem lê as teses é surpreendido, porque vocês dizem do BE o que Maomé não disse do toucinho: social-democratizante, demagógico.

Fazemos uma caracterização política, nem carregamos muito no posicionamento anticomunista do BE. Mas isso não invalida que, muitas vezes, convirjamos em iniciativas legislativas e na identificação dos problemas.

Por que é que o PCP esteve contra o Congresso das Alternativas? Não é necessário plataformas para encontrar propostas concretas, até dentro daquilo que é o frentismo que o PCP sempre defendeu? 

Temos de ver em termos de processo. Nós, com a nossa autonomia, não gostamos de ir a reboque. O PCP foi informado por Jorge Leite de que se iria realizar o Congresso e dos seus objectivos. Eu disse: "Muito obrigado pela informação e transmitirei ao meu partido." Mas estávamos perante um facto consumado. O convite aparece posteriormente, num processo que achamos, mesmo no plano ético, discutível.

Cada situação tem as suas especificidades, mas se fizermos um balanço, aquilo que percebemos é que o PCP contribuiu para o chumbo do PEC IV e para a queda do Governo, continua a querer contribuir para o fim do statu quo, mas não consegue encontrar pontes que mostrem que não chega protestar e lutar contra, é preciso construir.

O PCP tem uma proposta política alternativa.

Só estaria disponível para ser Governo sozinho? 

Não. Queremos assumir as responsabilidades governativas que o povo português entenda atribuir ao PCP, mas num quadro de uma política patriótica de esquerda. Consideramos o envolvimento e a participação de democratas, de patriotas que estejam abertos à possibilidade de concretização desta política.

Haverá hipótese de encontrar essa convergência num candidato comum de esquerda nas próximas presidenciais? Nas teses abrem a porta a uma candidatura própria.

É uma questão prematura. Nas teses fazemos uma reafirmação da nossa intervenção própria, mas procurando contribuir para que na Presidência esteja alguém capaz de cumprir a Constituição. E como é sabido, o PCP tem apresentado candidaturas, mas em momentos importantíssimos tem feito opções.

Nas teses falam da necessidade de uma vasta frente social, com o papel central da CGTP, mas por um lado criticam os movimentos alterglobalização, como os "indignados", e por outro, não falam de manifestações em Portugal, como a de 12 de Março de 2011 e a de 15 de Setembro passado. O PCP está a deixar ao BE o campo dos movimentos sociais? 

Quero afirmar que em relação aos movimentos inorgânicos a novidade não é a sua existência desde a década de sessenta do século XX. Surgem, desaparecem, enfim. Nós valorizamos - e iremos ainda fazer alterações às teses, é verdade. Estas manifestações dão uma contribuição positiva. Embora nós reafirmemos com muita força a importância não da aglutinação mas da convergência com a luta organizada da CGTP, que leve a afirmar objectivos, para que a sua mais-valia não se perca, não se fique pelo grito. Mas o que é importante aqui sublinhar é a participação de sectores, de camadas, de homens, mulheres e jovens, até aqui neutros ou neutralizados, que atingidos por esta política sentem a necessidade de se manifestar, levando à convergência dessa frente social de luta. Eu fiquei surpreendido com a participação de sectores como as farmácias e a restauração, que há um ano e meio era impensável que estivessem neste processo de protesto e de luta.

O PCP chegou no passado a ser acusado de ser o motor da desordem. No dia 14 de Novembro vimos que a CGTP sai de cena e é depois que vem a desordem e que todas as instituições salvaguardam o papel da CGTP. O que mudou? 

É precipitado colocar nos movimentos inorgânicos uma responsabilidade. O que se pode considerar é que houve ali uma provocação organizada.

Por quem? 


Eu não conheço, mas o ministro da Administração Interna disse que foi obra de profissionais da provocação, lá terá as suas informações. Aquilo que verificamos é que é um exagero dizer que um punhado de provocadores perfeitamente organizados integra os movimentos inorgânicos. Agora, o que é um facto é que aquelas acções serviram para esbater os efeitos da manifestação e da própria greve geral.

Nas teses, o PCP tem só um parágrafo sobre trabalho precário. E fazem uma grande defesa do sindicalismo, mas o PCP sabe que os trabalhadores precários têm grande dificuldade em sindicalizar-se e têm já organizações próprias. Também aqui parece que o PCP deixa o campo para o BE. Há deliberadamente um mundo que vos passa ao lado? 
Diferenciamo-nos do BE nessa matéria, por uma questão de fundo. Nós consideramos que ser precário não é um estatuto nem um atestado. São trabalhadores como quaisquer outros, que têm vínculos precários, fragilizados. E a nossa luta não deve ser para tratar os precários como uma classe, mas pelo contrário, lutar para que eles tenham direitos como quaisquer outros, nomeadamente o vínculo efectivo. Isto começou com os contratos a prazo e, de repente, de excepção passou a ser a regra. É uma questão de conceito, mas nós recusamo-nos a passar o atestado de precários ad aeternum a um trabalhador que é vítima de um vínculo precário.

E a luta dessas pessoas deve ser feita em sindicatos clássicos, é isso? 

É o direito que qualquer trabalhador tem de ter um trabalho com segurança e com direitos. Não abdicamos de lutar para que esse trabalhador tenha um estatuto de corpo inteiro. Não o aceitamos como uma inevitabilidade. A cada trabalhador efectivo corresponde um vínculo efectivo, com direitos.

A democracia está em risco na Europa e em Portugal, é uma conclusão que se tira das teses? 

Dizemos que decorrem grandes perigos para a democracia. Falo da limitação de direitos, de liberdades. A democracia já fica à porta de muitas empresas. No plano político, vemos as alterações à lei do financiamento dos partidos e das campanhas.

As teses fazem um violentíssimo ataque à Entidade das Contas. Não é um exagero um partido tão cioso do respeito das instituições fazer este ataque quando no fundo o que está em causa é o controlo do gasto de dinheiros públicos? 

O PCP tem sido penalizado por ter a Festa do Avante!

Portanto, o PCP não quer ser sustentado só pelo Orçamento do Estado, quer autofinanciar-se. É isso? 
Apresentámos, durante anos, propostas para diminuir a subvenção do Estado. Defendemos menos dependência do Estado, menos subvenções, mas mais capacidade de iniciativa de recolha de fundos como militância.

O que poderia distinguir depois a Festa do Avante! dos jantares de militantes do PS e do PSD ou a capacidade de recolher fundos junto das empresas que são dos seus apoiantes? 

Consideramos que da nossa parte deve haver uma independência não só do Estado mas do capital.

Portanto, o PCP pode arrecadar em cafés, mas os outros não podem receber de empresas? Ou a lei pode permitir desde que isso seja transparente? 

A lei pode permitir. Mas essas fontes de financiamento devem ser declaradas.

Jerónimo de Sousa defende a reindustrialização, mas determinada pelo Estado. E afirma que a União Europeia "é determinada pelo capital financeiro"

O PCP tem como lema do Congresso a expressão "Democracia e Socialismo" e nas teses são patentes os elogios aos países comunistas do antigo Bloco de Leste. O secretário-geral, Jerónimo de Sousa, garante que o PCP continua a não seguir modelos de socialismo, mas sublinha que "nenhum erro, nenhuma violação ou deformação da legalidade socialista", que tenha acontecido nos últimos anos do regime, esconde "uma evolução espantosa" conseguida nos países socialistas em termos de direitos económicos e sociais.

Nas teses mantêm a recusa do federalismo. E dizem explicitamente que a União Europeia "não é reformável". A conclusão é que deve acabar? 

A Europa de coesão, solidária, que foi proclamada como objectivo, hoje não é nada disso. Hoje, a Europa é determinada pelo capital financeiro e pelos grandes grupos económicos. Está determinada por um directório de potências. Esta Europa, com estes objectivos e esta composição, não corresponde aos interesses da população. Esta Europa não é reformável.

Querem um retorno aos princípios fundadores? 


Defendemos uma Europa de coesão, de respeito mútuo, de afirmação da soberania de cada nação.

Portugal deve sair do euro? 

Hoje, a questão não é só a saída, mas a ameaça de expulsão. Não colocamos a saída como objectivo. Para nós, a questão é Portugal precisar de um desenvolvimento soberano, compete ao povo português decidir o seu devir colectivo.

Nas teses mantêm que não há modelos para o socialismo, posição que o PCP tem desde 1988. Mas agora dizem que houve "trágicas derrotas do socialismo na União Soviética e nos países do Leste da Europa" e que na URSS houve uma "nova sociedade" que conheceu "tempos de desenvolvimento". Isto, há vinte anos, não era dito. Há um aligeirar do discurso crítico do PCP em relação ao que foi o socialismo do Leste? 
Mantemos como actuais as análises dos erros e dos desvios do socialismo. Mas há duas questões que gostaria de sublinhar nos tempos que correm. Primeiro, a constatação de que com a Revolução de Outubro houve avanços fascinantes em termos de direitos dos trabalhadores, da igualdade entre mulheres e homens, de Segurança Social, de avanços económicos. E nenhum erro, nenhuma violação ou deformação da legalidade socialista, que se verificou posteriormente, pode esconder que naquela região houve uma evolução espantosa em termos de direitos económicos e sociais, que levaram os próprios países capitalistas, nomeadamente os mais próximos, a terem de reconhecer direitos, para não se porem em contraponto com a própria sociedade socialista em construção.

E hoje? 


Agora, a estes anos de distância desde as derrotas do socialismo, é possível hoje, perante um capitalismo sem freio nos dentes, que procura recuperar todas as parcelas de domínio perdido nesses países - mas também à escala planetária, porque a ofensiva é global -, é possível falar do trágico que foi para essas populações essas derrotas.

A China tem hoje comportamentos idênticos aos dos países capitalistas, nomeadamente na aquisição de empresas de outros países e no empréstimo de dinheiro a juros idênticos aos do mercado capitalista. O que é que distingue a nível externo os dois modelos? 

Em relação às privatizações em Portugal, a nossa posição é clara, seja para capital chinês, seja para capital alemão, seja para capital brasileiro, seja para capital angolano, estamos em profundo desacordo, não por causa da origem, mas da privatização em si, do prejuízo que representa para o país a entrega desses sectores estratégicos ao estrangeiro.

E a China? 
Há relações comerciais no quadro de um mercado capitalista, isso tem de ser considerado. O problema não é os chineses defenderem os interesses da China, o problema é que os governos portugueses não têm defendido os interesses de Portugal.

Por falar em interesses de Portugal, o ministro da Economia recuperou a ideia da reindustrialização do país. É um caminho para Portugal? 

É decisivo. É isso que referimos quando falamos na necessidade do aumento da produção, no aumento de riqueza. Portugal tem recursos de subsolo que dariam para dois PIB. Estamos a falar de ouro, de prata, de cobre. Temos o maior filão de cobre da União Europeia, mas que é arrancado e transportado em bruto. Porque não é feita a transformação cá?

Então há um encontro de objectivos de reindustrialização entre o PCP e o PSD? 

O problema é que o ministro declara isso mas depois não faz nada.

De acordo com o PCP devia ser o Estado a fazer a reindustrialização, é isso? 


Obviamente. Por que é que o Estado não impõe que o cobre seja transformado no nosso país? Criando mais postos de trabalho, criando mais riqueza, criando mais-valia.

No Congresso, que novidades haverá na direcção? Está prevista renovação? Nomeadamente a subida ao CC dos novos deputados?

Está previsto que o Comité Central (CC) seja reduzido. Mas o Comité Central no próximo fim-de-semana vai propor a lista.

Tem 65 anos e é secretário-geral há oito. Quando vai ser substituído? 

Um dia. É uma tarefa de grande exigência. Mas o que considero é que num quando tão difícil como o que o nosso povo está a viver, num quadro de grande exigência de resposta, de resistência, pensando na construção de uma vida melhor, eu, com a idade que tenho, quero dizer que, independentemente das responsabilidades que possa ter no futuro ou não ter, a minha disposição é a de continuar a lutar pelos trabalhadores, pelo povo a que pertenço.

Não lhe estamos a chamar velho, mas o PCP defendeu o limite de 65 anos de idade na direcção da CGTP. Razão pela qual, por exemplo, Carvalho da Silva saiu da liderança. Esse princípio não devia ser defendido também para o PCP? 

Há uma diferença substancial. A CGTP é uma organização sindical em que os quadros são trabalhadores e o seu vínculo profissional termina aos 65 anos. E as direcções sindicais são feitas com trabalhadores no activo. Embora com 50 anos de descontos para a Segurança Social, mais dois de Guerra Colonial, já pudesse reformar-me, é uma opção [não o fazer]. E enquanto o meu partido entender que sou preciso, cá estarei. 

terça-feira, 27 de março de 2012

A Falsificação da História (3)


As mentiras sobre Kruschev e Stalin

Holodomor

De um texto publicado no jornal brasileiro“ A Verdade” em 13/07/2010:

retirei alguns excertos:

A entrevista foi dada pelo Professor Grover Furr, da Universidade Montclair, no Estado de Nova Jersey,
EUA, e autor do livro Antistalinskaia Podlost ("A infâmia antistalinista"), lançado recentemente em Moscou, na Rússia. Grover Furr é ph.D. em literatura comparada (medieval) pela Universidade de Princeton, e, desde 1970, ensina na Universidade de Montclair, sendo responsável pelos cursos de Guerra do Vietnã e Literatura de Protesto Social, entre outros. Suas principais áreas de pesquisa são o marxismo, a história da URSS e do movimento comunista internacional e os movimentos políticos e sociais. Nesta entrevista, o professor Grover fala de sua pesquisa e afirma que “60 de 61 acusações que o primeiro-ministro Nikita Kruschev fez contra Stálin são comprovadamente falsas”.
A Verdade – O que o levou a se interessar pela história da URSS? 

Grover Furr diz: …no início da década de 1970, li a primeira edição do livro O grande terror, de Robert Conquest. Fiquei impressionado quando o li! 

Mas eu já tinha um certo domínio do russo e podia ler neste idioma, pois já vinha estudando literatura russa desde o ensino médio. Então examinei o livro de Robert Conquest com muito cuidado. Aparentemente ninguém ainda havia feito isso! 
Descobri, então, que Conquest fora desonesto no uso de suas fontes. Suas notas de rodapé não davam suporte a nenhuma de suas conclusões “anti-Stálin”. Ele basicamente fez uso de qualquer fonte que fosse hostil a Stálin, independentemente de se era confiável ou não. 
Decidi, então, escrever alguma coisa sobre o “grande terror”. Demorou um longo tempo, mas finalmente foi publicado em 1988. Durante este tempo estudei as pesquisas que estavam sendo feitas por novos historiadores da URSS, entre os quais Arch Getty, Robert Thurston e vários outros. 
Há aproximadamente uma década fiquei sabendo da grande quantidade de documentos que estavam sendo revelados dos antigos arquivos secretos soviéticos, e comecei a estudá-los. 
Li em algum lugar que uma ou duas das declarações de Kruschev em sua famosa “fala secreta”, (Discurso Secreto) de 1956, foram identificadas como falsas do início ao fim. Daí, pensei que poderia fazer algumas pesquisas e escrever um artigo apontando alguns outros erros de seu pronunciamento da “sessão secreta”. 
Nunca esperei descobrir que tudo o que Kruschev disse – 60 de 61 acusações que ele fez contra Stálin e Béria – eram comprovadamente falsas (não pude encontrar nada que comprovasse a 61ª)! 
Percebi que este fato mudava tudo, uma vez que praticamente toda a “história” anticomunista desde 1956 se baseia ou em Kruschev ou em escritores de sua época. 
Verifiquei que a história soviética do período de Stálin que todos aprendemos era completamente falsa. Não apenas “um erro aqui e outro ali”, mas fundamentalmente uma fraude gigantesca, a maior fraude histórica do século! 
E meus agradecimentos ao colega de Moscou Vladimir L. Bobrov, que foi o primeiro a me mostrar esses documentos, me deu inestimáveis conselhos, várias vezes, e fez um excelente trabalho de tradução de todo o livro. Sem o dedicado trabalho de Vladimir, nada disso teria acontecido. 

A Verdade – Em suas pesquisas o senhor teve acesso direto a arquivos soviéticos abertos recentemente. O que esses documentos revelam sobre os "milhões de mortos" sob o socialismo, especificamente no período de Stálin? 

Grover Furr – Considerando que pessoas morrem a todo instante, eu suponho que você esteja falando de mortes “excedentes”. 
A Rússia e a Ucrânia sempre experimentaram fomes a cada três, quatro anos. A fome de 1932-33 ocorreu durante a coletivização. Sem dúvida, que um número maior de pessoas morreu do que teria morrido naturalmente. No entanto, muito mais pessoas iriam morrer em sucessivas fomes – a cada três, quatro anos, indefinidamente, no futuro – se não fosse feita a coletivização. 
A coletivização significou que a fome de 1932-33 foi a última, com exceção da grave fome de 1946-1947, que foi muito pior, mas isso devido à guerra. 
E, como mencionei anteriormente, Nikolai Ezhov deliberadamente matou milhares de pessoas inocentes. 
É interessante considerar o que poderia ter sucedido se a URSS não houvesse coletivizado a agricultura e não tivesse acelerado seu programa de industrialização, e se as conspirações da oposição nos anos 1930 não tivessem sido esmagadas. 
Se a URSS não tivesse feito a coletivização, os nazistas e os japoneses a teriam conquistado. Se o governo de Stálin não houvesse contido as conspirações direitistas, trotskistas, nacionalistas e militares, os japoneses e os alemães teriam conquistado o país. 
Em qualquer um desses casos, as vítimas entre os cidadãos soviéticos teriam sido muito, muito mais numerosas do que os 28 milhões mortos na guerra. Os nazistas teriam matado muito mais eslavos ou judeus do que mataram. Com os recursos, e talvez até mesmo com os exércitos da URSS do seu lado, os nazistas teriam sido muito, muito mais fortes contra a Inglaterra, a França e os EUA. Com os recursos soviéticos e o petróleo de Sakhalin, os japoneses teriam matado muito, muito mais americanos do que fizeram. 
O fato é que a URSS sob Stálin salvou o mundo do fascismo não apenas uma vez, durante a guerra, mas três vezes: pela coletivização; pelo desbaratamento das oposições direitistatrotskista- militares e também na guerra. 
Quantos milhões isso dá? 

A Verdade – Alguns autores vêm tentando encontrar semelhanças entre Stálin e Hitler, e alguns até chegam a afirmar que o suposto "stalinismo" foi “pior” que o nazismo. Existia realmente alguma ligação entre Stálin e Hitler? 


Grover Furr – Os anticomunistas e os pró-capitalistas não discutem a luta de classes e a exploração. De fato, eles ou fingem que essas coisas não existem ou que não são importantes. Mas a luta de classes causada pela exploração é o motor da história. Então omitir isso significa falsificar a história. 
Hitler era um capitalista, um anticomunista autoritário de um tipo que é comum em vários países capitalistas. Stálin liderou o Partido Bolchevique e a URSS quando os comunistas em todo o mundo estavam lutando contra todo tipo de exploração capitalista. 
Sempre que dizemos “pior”, devemos sempre nos perguntar: “Pior para quem?” A URSS e o movimento comunista durante o período de Stálin foram definitivamente “piores que o nazismo”, para os capitalistas. Essa é a razão de os capitalistas odiarem tanto Stálin e o comunismo. 
O movimento comunista durante o período de Lênin e Stálin, e ainda por um bom tempo depois, foi a maior força de libertação humana da história. E novamente devemos nos perguntar: “Libertação de quem? Libertação do quê?” A resposta é: libertação da classe trabalhadora de todo o mundo, da exploração capitalista, da miséria e das guerras. 

A Verdade – Um dos ataques mais frequentes a Stálin é que ele seria responsável pela fome na Ucrânia, em 1932-1933, também chamada de Holodomor. Esta versão da história corresponde ao que realmente ocorreu? 

Grover Furr – O “Holodomor” é um mito. Nunca aconteceu. Esse mito foi inventado por ucranianos nacionalistas pró-fascistas, junto com os nazistas. Douglas Tottle comprovou isso em seu livro Fraud, Famine and Fascism (1988). Arch Getty, um dos melhores historiadores burgueses (isso é, não marxistas, não comunistas), também tem um bom artigo sobre isso. 
Até o próprio Robert Conquest deixou de defender sua antiga versão de que os soviéticos deliberadamente causaram a fome na Ucrânia. Nenhuma sombra de prova que poderia confirmar essa visão jamais veio à luz. 
O mito do “Holodomor” persiste porque ele é o “mito fundacional” do nacionalismo direitista ucraniano. Os nacionalistas ucranianos que invadiram a URSS juntamente com os nazistas mataram milhões de pessoas, incluindo muitos ucranianos. Sua única “desculpa” é propagandear a mentira de que eles “lutaram pela liberdade” contra os comunistas soviéticos, que eram “piores”. 




A Falsificação da História (2)


O PACTO GERMANO-SOVIÉTICO E QUESTÕES LIGADAS

Resposta de Annie Lacroix-Riz1 a Bernard Fischer, 30 de Agosto de 2009
Annie LACROIX-RIZ é professora de história contemporânea na Universidade Paris VII-Denis Diderot 

(Publicada em 23 de Abril de 2010 na reedição de “Escolha da Derrota”)

Caro camarada,
O tambor do Pacto germano-soviético começou a ressoar, depois do de Katyn, há alguns meses e em todas as ocasiões possíveis (não faltam aniversários e comemorações). A senhora Marie Jégo, cujos dias e noites são assombradas pelos bolcheviques, quer isso venha ou não a propósito, ironizava ontem no Le Monde sobre «Moscovo tentado a reabilitar o pacto», decidindo assim, sem hesitação : «Assinado a 23 de Agosto de 1939 por Viatcheslav Molotov e Joachim von Ribbentrop, os ministros dos negócios estrangeiros da URSS e da Alemanha nazi, o pacto “de não-agressão” transformou-se rapidamente numa aliança entre Estaline e Hitler, prontos a despedaçar a Europa do Este e do Norte, desde a Finlândia aos países bálticos, passando pela Polónia.». Este discurso, tão categórico quanto errado, está conforme com a prosa que o Le Monde tem servido há muito tempo, com o seu dossiê elaborado para o quinquagésimo aniversário da morte de Estaline, em Março de 2003, a marcar um dos picos desta actividade notável do «quotidiano de referência».

Mas não basta a um empregado do «quotidiano dos negócios Vedomosti […,] o jornalista Andreï Kolesnikov », entrar no género psico-trágico («O cocktail Molotov-Von Ribbentrop está em detonação lenta.
Ele explode na cabeça das pessoas. Ele mutila a consciência da nação russa») para transformar uma jornalista antissoviética em historiadora séria.

Em ‘A escolha da derrota: as elites francesas nos anos 1930’, Paris, Armand Colin, nova edição completa e revista, 2010, 679 p., e em ‘De Munique a Vichy, o assassinato da 3.ª República, 1938-1940’, Paris, Armand Colin, 2008, 408 p., estudei profundamente as questões internacionais levantadas pela tua correspondência de hoje: o que tu chamas «a questão das consequências efectivas [das] relações [germano-soviéticas], do ponto de vista de um certo número de países europeus geograficamente intermediários, como, por exemplo, a Finlândia, a Polónia e a Checoslováquia, é a famosa questão da assinatura dos acordos de Munique e da anexação da região dos Sudetas pela Alemanha de Hitler. Na Polónia, há uma questão de verdade histórica importante, conexa com a questão dos massacres de Katyn. Na União Soviética, há a questão das relações entre Estaline e o estado-maior do exército vermelho, por exemplo, com um certo Toukhatchevsky» – o qual foi incontestavelmente culpado de alta traição (ver os quadros das matérias e o índex, e, sobre o caso Toukhatchevski stricto sensu, ‘A escolha da derrota’, p. 393-399).

Sobre Katyn, poderá ler-se, com proveito, a interpretação do meu colega britânico Geoffrey Roberts, em ‘As guerras de Staline: Da Guerra Mundial à Guerra-fria, 1939-1953’, New Haven & London : Yale University Press, 2006. Esta excelente obra, como todas as que escrevera anteriormente (‘A aliança contraditória: o pacto de Staline com Hitler’, Londres, Tauris, 1989, e ‘A União Soviética e as origens da Segunda Guerra Mundial. 
As relações russo-germânicas e o caminho para a guerra, 1933-1941’, New York, Saint Martin’s Press, 1995), não está infelizmente traduzida em francês, enquanto que todos os livros contra Estaline (do nascimento à morte) e contra quem o rodeava são traduzidos no ano seguinte ao da sua publicação: designadamente, os desvarios horrorizantes do publicista Simon Sebag Montefiore sobre ‘A corte do czar vermelho’ ou ‘O jovem Estaline’. No mesmo sentido vai a longa recensão, «Geoffrey Roberts, as Guerras de Estaline: Da Guerra mundial à Guerra-fria, 1939-1953: um acontecimento editorial», que coloquei no meu sítio (www.historiographie.info) em 2007, aqui junto, «Geoffrey Roberts, Stalin’s Wars, From World War to Cold War, 1939-1953: un événement éditorial».

Encontrarás também no meu artigo «O PCF entre o ataque e a ‘mea culpa’: Junho de 1940 e a resistência comunista» (www.historiographie.info), igualmente junto ao meu correio electrónico, elementos de resposta à polémica tão incansável quanto infundada sobre o pacto germano-soviético e as suas consequências sobre o movimento operário internacional, na ocorrência o francês. Este artigo visava demonstrar a desonestidade de uma enésima operação mediática orientada para uma imensa algazarra sobre o livro, lamentável pela ausência de informação e de documentação original, de Jean-Pierre Besse e Claude Pennetier: «Junho 40, a negociação secreta. Os comunistas franceses e as autoridades alemãs». Venerado pelos Le Monde Libération (entre outros), ele tinha logicamente encontrado grande crédito junto do PCF, acostumado – depois de haver ganho a sua respeitabilidade de membro da «esquerda europeia» (e renunciado, da mesma forma, à sua identidade comunista) – a expiar a culpa do seu honroso passado. ‘De Munique a Vichy’largamente consagrado às questões internas (e, nomeadamente, à repressão anticomunista), trata do aspecto «francês» do pacto germano-soviético no período que antecede o daquele artigo.

Como o lembrei ontem a um amigo belga que me solicitava a propósito do pacto germano-soviético, não sem evocar as presumidas “perversões” do estalinismo (termo intelectual minimalista, no jogo dos crimes e horrores estalinianos com que a população francesa, “europeia”, etc. é embriagada quase quotidianamente), eu não consegui fazer publicar a crítica do livro muito importante de Roberts “nos presumidos Cadernos de história crítica, herdeiros (extraviados) dos Cadernos de história do instituto de investigações marxistas, que acompanhei não há muito, porque a dita revista crítica não podia suportar ‘cobrir’ a minha indulgência para com os Sovietes: o que escrevi sobre a Polónia dos coronéis e o seu abominável papel entre as duas guerras (‘A escolha da derrota’ e ‘De Munique a Vichy’), o que Roberts, Carley e eu própria mostramos do isolamento diplomático e militar da URSS na época da ‘guerra de Inverno’ dá uma clara e diferente visão da alegada ‘matança’ que a URSS deveria reconhecer e explicar, se a tivesse cometido (eu conservo uma espécie de dúvida, tendo em consideração, por um lado, a natureza da decisão e o seu carácter estritamente único e, por outro lado, a ausência total de informação arquivística internacional sobre estes acontecimentos do início de 1940 – mas, talvez tenha ‘falhado’ os bons correios); da mesma forma que deveria reconhecer e explicar, ao menos depois da guerra, o incontestável acordo secreto sobre a ‘partilha’ germano-soviética de 1939 das zonas de influência, incluindo a Polónia)” (extracto de um correio de 29 de Agosto).

Também tinha em vista, acima, a excelente obra do historiador americano-canadiano Michael Jabara Carley, 1939,a aliança que nunca o foi e o início da 2.ª Guerra Mundial’, Chicago, Ivan R. Dee, 1999, felizmente traduzida, ‘1939 : a aliança da última chance: uma reinterpretação das origens da Segunda Guerra mundial’, Impressão da Universidade de Montréal, 2001, de resto disponível em linha. Carley detesta o comissário do Povo dos Negócios Estrangeiros, Molotov, ao qual atribui, segundo a moda do tempo, todos os caracteres terríveis do estaliniano limitado; ele tem muitas saudades do seu predecessor Litvinov, afastado a 3 de Maio de 1939 por causa do comportamento dos anglo-franceses e das suas próprias ilusões sobre estes últimos; mas ele reconhece, tanto quanto Roberts (e eu-mesma), a ausência de responsabilidade dos Sovietes no acontecimento de 23 de Agosto de 1939, e a manutenção estrita da linha exterior soviética na era Molotov.

Soube ontem, depois de ter redigido a mensagem acima citada, que as autoridades russas acabavam de publicar uma série de documentos sobre a política externa polaca, depois de 1934. Julguei perceber que estes textos continham os acordos secretos entre Berlim e Varsóvia, consecutivos à assinatura do “acordo de amizade” germano-polaco de 26 de Janeiro de 1934 (concluído para dez anos). Lê-los-ei com tanto mais prazer quanto os arquivos franceses e alemães (principalmente) dos anos 1933-1939 já me deram bastantes detalhes. Lembremos que, junto de Pilsudski, o decisor oficial polaco, o coronel Beck, era um notório assalariado de Berlim, segundo os arquivos originais diplomáticos e militares franceses (isso também é claro nos [arquivos - NT] alemães publicados), e que o continuou a ser mesmo para além da derrota ignominiosa da Polónia (tão ignominiosa como o desastre francês). Pilsudski fizera-o chefe da política externa polaca depois do Outono de 1932, e Beck, em Maio de 1935, sucedeu ao seu benfeitor (então falecido) à cabeça da ditadura. Estes dois oficiais de um exército em ruínas desde as suas origens (ver o texto junto dos arquivos, «O exército polaco no início dos anos vinte») não eram mais do que mandatários dos privilegiados polacos, como «o príncipe Janusch Radziwill, um dos maiores proprietários de terras, não só da Polónia, mas de toda a Europa»: unido não só aos Junker2 alemães, mas também aos grandes siderúrgicos alemães, este nobre de nascença alemã foi um dos principais inspiradores de uma política pró-alemã, que significava a morte da Polónia enquanto Estado, e de uma ditadura perfeitamente adaptada, sobretudo depois do golpe de Estado de Pilsudski, de 1926, no «interesse dos grandes proprietários» (EMADB, informação militar Depas 866, 17 de Junho de 1935, 7 N 3024 ; «Principais personalidades que poderá reencontrar» o MAE (Laval, durante a sua viagem a Varsóvia), nota junta à carta 247 de Laroche a Laval, Varsóvia, 10 de Abril de 1935, URSS 1918-1940, 982, arquivos do MAE).

A Polónia do trio infernal Beck-Pilsudski-Radziwill passava para um pivô do «cordão sanitário» franco-inglês, o que lhe valeu, em 1920-1921, a outorga, graças à ajuda militar francesa, via Weygand (e seu adjunto de Gaulle), da Galícia oriental, no entanto prometida pela «Linha [étnica] Curzon» à Rússia. Transformou-se em caniche do Reich hitleriano, a partir do acordo de 26 de Janeiro de 1934, sem abdicar das suas funções de cão de guarda do «cordão sanitário» útil a todos, incluindo os «Aliados» ocidentais; nem de garante da submissão do povo polaco a uma das ditaduras (regime particularmente conveniente à missão de «cordão sanitário») mais sangrentas de entre as duas guerras: no rico conjunto do leste europeu francês, Varsóvia disputava, neste âmbito, o primeiro lugar com Belgrado e Bucareste; sabe-se, além disso, qual a importância que Paris, campeão dos «direitos do Homem», tanto na altura como hoje, deu à «democracia burguesa» reinante em Praga. Todavia, o rolo compressor da propaganda insistiu, depois de 1990, que a Europa oriental tinha «reencontrado», com a queda da URSS e a libertação consecutiva das nações satélites escravas, «a democracia» que perdera «depois de 1945» (1918-1939, um paraíso democrático; 1939-1945, o nirvana democrático).

Encontraremos nas duas obras acima citadas a confirmação das minhas afirmações, que podem parecer brutais e, designadamente, informação documentada sobre a participação directa dos coronéis polacos, com Beck à cabeça - «abutres» ou « hienas», segundo os amáveis qualificativos dos seus cúmplices alemães, franceses, ingleses, etc. -, na liquidação da Checoslováquia, na da Pequena Entente (teoricamente) antialemã, que agrupava a Checoslováquia, a Jugoslávia e a Roménia, e na perseguição dos judeus da Polónia.
Juntarei a isso precisões suplementares e apresentarei novas fontes na minha contribuição destinada ao colóquio internacional de Varsóvia, previsto para meados de Outubro, sobre a campanha da Polónia de 1939 («A Polónia na estratégia política e militar da França (Outubro 1938-Agosto 1939») , colóquio que terá a participação de Geoffrey Roberts.

Que a política polaca tenha sido conduzida numa total cumplicidade com o Reich hitleriano não atenua em nada, como o mostram os trabalhos referidos, a esmagadora responsabilidade dos dirigentes económicos e políticos da França, ébrios de antissovietismo, tão prontos a baixarem-se perante a Alemanha como os seus homólogos polacos, e actores de primeiro plano, desde 1938, na perseguição dos judeus da Polónia refugiados em França (entre outros judeus estrangeiros), questão tratada em ‘De Munique a Vichy’. Note-se que os dirigentes republicanos» deram toda a liberdade aos fascistas italianos e nazis alemães para perseguirem os seus inimigos no território francês, respectivamente, depois de 1922-1923 e 1933 (ver ‘A escolha da derrota’). Isto vale, evidentemente, para os Apaziguadores de Londres e de Washington. A Polónia era uma pequena potência submetida às grandes potências imperialistas, incluindo a França de então, e as responsabilidades que os seus dirigentes assumiram – 1° nos crimes cometidos contra os povos eslavos (Polacos incluídos) e contra os judeus e 2° no seu desaparecimento enquanto Estado, de 1939 à 1945 – foram amplamente partilhadas pelos seus tutores estrangeiros. Para citar apenas um exemplo, não era só a Polónia que tinha o poder de interditar ao exército vermelho a entrada em território polaco em 1938 (para salvar a Checoslováquia), ou em 1939 (para salvar a própria Polónia), mas também os seus mestres franceses e ingleses, que, além disso, tinham «garantido» no papel as suas fronteiras, em Março-Abril de 1939, e que a encorajaram a tratar Moscovo como «lacaio», segundo a expressão de Jdanov (Junho de 1939). Exactamente da mesma forma que, por opção de classe e por receio de verem as suas fronteiras salvas pelo exército vermelho, as elites checoslovacas cederam às pressões exercidas por Paris e Londres, para obter delas a destruição do seu próprio Estado.

Os dirigentes russos parecem dispostos, por razões que lhes dizem respeito, a abordar a sua história nacional de entre as duas guerras e da Segunda Guerra mundial de uma forma mais séria do que o fizeram depois, não só do fim da URSS, mas também da era kroutchoviana. Forma que tratava com um alto grau de fantasia a história dos anos 1920-1950, como o tinha observado, desde 1964, em ‘A Rússia em guerra’, o excelente jornalista e escritor britânico Alexander Werth, russófilo de longa data, pai de Nicolas, o papa francês de uma «sovietologia» erigida em história dos «crimes de Estaline». A historiadora que eu sou regozija-se com esta viragem, perceptível desde há algum tempo, e aprecia, pelo menos, o que se anuncia como o fim da fase de intoxicação pura e simples que caracterizou os três últimos decénios, no que se refere à URSS e à sua história. A cidadã também. As duas esperam com impaciência saber como a ideologia dominante nos vai dar conta, em Maio-Junho de 2010, do 70.º aniversário do Desastre francês de Maio- Junho de 1940, sobre o qual tanto há a dizer.

Cordialmente,
Annie Lacroix-Riz

1 Annie LACROIX-RIZ é professora de história contemporânea na Universidade Paris VII-Denis Diderot

A Falsificação da História (1)

Em resposta a frequentes comentários que repetem a "cassete" anti-comunista, com base na falsificação de história e em preconceitos e culturas conservadoras, introduzidas pelos sistemas dominantes há séculos, vou transcrever aqui textos de estudiosos e professores que investigaram os assuntos.


Os comentários que refiro são, entre outros, os feitos em:
http://c-de.blogspot.pt/2012/03/crise-do-capitalismo-no-mundo.html#comment-form

http://c-de.blogspot.pt/2012/03/efemeride-clara-zetkin.html

Tiananmen


O “massacre” da Praça Tiananmen
foi uma mistificação
Deirdre Griswold

Publicado em 29 de junho de 2011, às 14.53h

Quantas vezes nos disseram que os EUA são uma sociedade “aberta” e que os média são “livres”? 
Normalmente estas exigências são feitas quando se critica outros países por não serem “abertos”, especialmente os países que não seguem a agenda de Washington. 

Quando se vive nos Estados Unidos e se depende dos supostamente “livres” e “abertos” meios de comunicação comerciais para obter informação, acreditar-se-á sem dúvida que o governo chinês massacrou “centenas, talvez milhares” de estudantes na Praça Tiananmen, no dia 4 de Julho de 1989. A frase foi repetida dezenas ou centenas de vezes pelos média deste país. 

Mas isso é um logro. Mais, o governo dos EUA sabe que isso é um logro. E todos os mais importantes meios de comunicação sabem que é um logro. Mas recusam-se a corrigir o registo, por causa da hostilidade primária da classe dirigente imperialista dos EUA em relação à China. 

Em que é que baseamos esta afirmação? Em várias fontes. 

A mais recente é a publicação pela WikiLeaks de telegramas enviados da Embaixada dos EUA em Pequim para o Departamento de Estado, em junho de 1989, alguns dias depois dos acontecimentos na China. 

A segunda é uma declaração do chefe de redacção do New York Times em Pequim, declaração que não voltou a ser referida por esse jornal. 

E a terceira é o relato do que aconteceu feito pelo próprio governo chinês, que corrobora as duas primeiras. 

Um único jornal ocidental importante publicou os telegramas da WikiLeaks. Foi o Telegraph of London, em 4 de junho deste ano, exactamente 22 anos depois de o governo chinês ter chamado as tropas em Pequim. 

Dois telegramas datados de 7 de julho de 1989 – mais de um mês depois do conflito – relatavam o seguinte: 

“Um diplomata chileno transmite um testemunho presencial dos soldados a entrar na Praça Tiananmen: Ele observou a entrada dos militares na praça e não viu nenhumas armas de destruição em massa serem utilizadas contra a multidão, apesar de se ter ouvido alguns tiros. Ele disse que a maioria das tropas que entraram na praça estava de facto armada apenas com material antimotim – bastões e tacos de madeira; estavam apoiados por soldados armados.” 

Um telegrama posterior dizia: “Um diplomata chileno transmite um testemunho presencial dos soldados a entrar na Praça Tiananmen: Apesar de se ouvir tiros, ele diz que para além de algumas agressões a estudantes, não houve fogo indiscriminado sobre a multidão de estudantes no monumento.” 

Deve-se recordar que o Chile, naquela altura, era governado pelo General Augusto Pinochet, que tinha chegado ao poder através de um violento golpe antissocialista de direita, apoiado pelos EUA, no qual foram mortas milhares de pessoas de esquerda, incluindo o Presidente Salvador Allende. O referido “diplomata chileno” não seria certamente amigo da China. 

Nem um único jornal, televisão ou rádio nos EUA abordou ou comentou estes telegramas divulgados pela WikiLeaks, nem o artigo do Telegraph sobre eles. Foi como se caíssem num poço sem fundo. Isso aconteceu porque os média aqui não acreditam que o documento é credível? Dificilmente.

Eles sabiam a verdade em 1989


O New York Times sabe que é credível. O seu próprio redactor-chefe em Pequim na altura, Nicholas Kristof, confirmou-o num extenso artigo intitulado “China hoje: como ganharam os homens da linha dura”, publicado no magazine do Sunday Times, em 12 de novembro de 1989, cinco meses depois do alegado massacre na praça.

Mesmo no fim deste longo artigo, que pretendia dar uma visão do debate na direção do Partido Comunista Chinês, Kristof afirmava perentoriamente: “Baseado nas minhas observações nas ruas, nem a versão oficial nem muitas das versões estrangeiras são absolutamente corretas. Não há massacre na Praça Tiananmen, por exemplo, apesar de haver muitas mortes noutros lugares.”
Apesar do artigo de Kristof ser duramente crítico em relação à China, a sua afirmação de que “não houve massacre na Praça Tiananmen” desencadeou imediatamente um coro de protestos dos inimigos da China nos EUA, como se viu pela coluna das cartas do leitor do Times.

Houve conflitos em Pequim? Absolutamente. Mas não houve massacre de estudantes desarmados na praça. Isso foi uma invenção do ocidente, com o objectivo de demonizar o governo chinês e ganhar a simpatia pública para uma contrarrevolução.
A viragem para uma economia de mercado no tempo de Deng Xiaoping tinha alienado muitos trabalhadores. Havia também um elemento contrarrevolucionário a tentar tirar partido do descontentamento popular para restaurar completamente o capitalismo.
Os imperialistas tinham esperança em que os conflitos em Pequim derrubassem o Partido Comunista e destruíssem a economia planificada – à semelhança do que aconteceria dois anos mais tarde na União Soviética. Queriam “abrir” a China não à realidade, mas à pilhagem da propriedade do povo pelos bancos e corporações imperialistas.

Depois de muitas hesitações no topo, o exército foi chamado e o levantamento esmagado. A China não colapsou como a União Soviética; a sua economia não implodiu nem o nível de vida baixou. Muito pelo contrário. Os salários e as condições sociais têm estado a melhorar, ao mesmo tempo que os trabalhadores noutros países estão a ser puxados para trás por uma severa crise económica capitalista.

Apesar das profundas concessões ao capitalismo, estrangeiras e nacionais, a China continua a ter uma economia planificada baseada numa forte infraestrutura estatal.




sábado, 7 de janeiro de 2012

Duarte Lima e a lavagem de dinheiro

De pobre a barão cavaquista
Os meandros de um regime, dito democrático, onde domina a política de direita 


No Correio da Manhã de 4 de dezembro passado um extenso artigo que invoca ser um verdadeiro manual de lavagem de dinheiro sujo, dá-nos as seguintes informações:


"Duarte Lima: Como se faz a lavagem de dinheiro Só para não ficarmos mais com este ar de surpreendidos... agora já sabemos como é que 'eles' fazem...Tudo boa gente; e note-se: a 'família' anda sempre em redor dos mesmos... Convém ler, pois aqui se encontra a história toda!... Duarte Lima: Como se faz a lavagem de dinheiro O ex-deputado foi investigado em 1994 num processo que é um verdadeiro manual de branqueamento de dinheiro sujo. A prática de lavagem de dinheiro há muito que não é estranha a Duarte Lima. Desde os anos 90 que o ex-líder parlamentar do PSD conhece, ao pormenor, as técnicas daquilo a que os juristas chamam 'dissimulação de capitais', mas que é vulgarmente conhecido por branqueamento ou lavagem de dinheiro. Essa é a arte de fazer com que o dinheiro obtido de forma ilegal regresse aos circuitos financeiros e bancários com o estatuto de plena legalidade. O processo às ordens do qual Duarte Lima está agora preso mostra algumas dessas formas de lavagem, mas já na primeira investigação de que foi alvo, nos anos noventa, é provado um apurado conhecimento dessa arte de esconder o dinheiro sujo. Nesse primeiro processo em que Lima foi constituído arguido, corria o ano de 1994 e o cavaquismo já agonizava, é descrito ao pormenor aquilo que hoje se pode considerar um pioneiro manual de técnicas de lavagem de dinheiro, como então alertava o inspector da PJ Carlos Pascoal, que assina o relatório final da investigação. O caso estava centrado em suspeitas de corrupção relacionadas com as aquisições de apartamentos e de terrenos em Lisboa e Sintra (ver texto nestas páginas). O mais interessante, porém, foi o que a investigação mostrou em matéria de enriquecimento ilícito assente no tráfico de influências e correspondente branqueamento de dinheiro, tudo crimes não existentes no ordenamento jurídico português à época dos factos. Carlos Pascoal, hoje com 57 anos e reformado da PJ, que investigou este processo com o colega José Peneda e sob a direcção do magistrado do Ministério Público Luís Bonina, enumerou as técnicas de lavagem uma a uma. 


DEPÓSITOS EM DINHEIRO. 


O relatório de Pascoal é claro em matéria de fluxos financeiros: 'Em razão da análise bancária realizada pode concluir-se que foi detectada a aplicação de várias técnicas de dissimulação de capitais, envolvendo um conjunto de contas bancárias tituladas pelo arguido Duarte Lima, pela sua ex-esposa, ou por familiares de um ou de outro'. Essas técnicas consistiam em fazer entrar o dinheiro nas contas sob a forma de numerário, permitindo ocultar as proveniências e os motivos das realizações de pagamentos. 'Entre 1992 e 1994 foram creditadas dessa forma, no conjunto das contas investigadas, verbas superiores a 750 mil contos' (3,75 milhões de euros). 


CONTAS-FANTASMA 


As contas directa ou indirectamente controladas por Duarte Lima nunca tinham saldos elevados. A técnica usada passava por fazer circular os valores de conta para conta até à utilização final do dinheiro em despesas ou aquisições. A maior parte dos créditos - numerário ou cheques - foi escoada por contas tituladas pelo próprio Duarte Lima. Os investigadores dão um exemplo: uma conta do Banco Fonsecas & Burnay titulada por Fernando Henrique Nunes (ex-sogro de Lima) foi utilizada como placa de passagem' de valores que acabaram em contas de Duarte Lima. Só no conjunto de contas em nome do ex-sogro e da ex-mulher, Alexina Bastos Nunes, foram transferidos para contas de Lima 474 mil contos. A partir de Novembro de 1993, o mesmo procedimento manteve-se mas com mais titulares nas contas, designadamente duas sobrinhas do ex-deputado, Alda e Sandra Lima de Deus e alguns dos irmãos. 


MOTA E ANF 


Duarte Lima, apesar de estar em exclusividade de funções no Parlamento e de ter a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, mantinha uma intensa e profícua relação com muitas empresas. Na investigação são detectados dezenas de depósitos feitos pelos administradores da então Mota e Companhia para as contas controladas por Duarte Lima. A um ritmo mensal, Manuel António da Mota, fundador da empresa já falecido, e o seu filho, António Mota, actual patrão da Mota-Engil, pagaram perto de 150 mil contos a Duarte Lima entre 1991 e 1993. Lima só em 1993 começou a emitir recibos verdes sobre uma pequena parte do dinheiro recebido, justificando no processo apenas dois pagamentos a título de prestações de serviços. Nessa fase em que começou a passar recibos verdes também começou a receber dinheiro por antecipação a serviços a prestar no futuro. Nas declarações efectuadas aos investigadores, tanto António Mota como Manuela Mota, também administradora da empresa, justificaram os pagamentos de 1991, 1992 e parte de 1993 a título de aquisições de obras de arte feitas a Lima e ao ex-sogro. Disseram também que Lima era consultor para a área internacional, apontando concretamente Angola como um dos países em que Lima ajudava a construtora. O ex-deputado, porém, tinha a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados e nunca declarou ao Fisco estes rendimentos. Tanto em relação à Mota e Companhia, como à Associação Nacional de Farmácias (ANF) - que pagou também milhares de contos a Lima e ainda as obras feitas num dos seus apartamentos de Lisboa -, o ex-líder parlamentar do PSD funcionou como um avençado no Parlamento. De outras empresas, como a Altair Lda. e a Portline S.A., Duarte Lima recebeu dinheiro a título de 'despesas confidenciais' e 'saídas de caixa'. 


VÍCIO DAS ANTIGUIDADES 


Um dado essencial da ocultação de dinheiro detectada nesta investigação foi o da aquisição de antiguidades e obras de arte. 'Tudo aponta no sentido de ser um coleccionador, visto que raramente procederá a vendas', escreve o inspector Carlos Pascoal. São registadas nas perícias financeiras algumas transacções. Só a três comerciantes de arte Lima comprou 250 mil contos em antiguidades e peças num curto espaço de tempo. Também aqui a lei era favorável a Duarte Lima: 'As dificuldades de controlo das actividades de transacções deste tipo de objectos e consequente possível utilização como técnica de dissimulação de capitais são reconhecidas no preâmbulo do decreto-lei 325-95 (branqueamento de capitais), designadamente mencionando a não sujeição de tais actividades a regras específicas e a inexistência de uma autoridade de supervisão', alertam os investigadores. A criminalização do branqueamento e do tráfico de influências só ocorrem depois de Outubro de 1995, quando o Governo já é do PS e liderado por António Guterres. A bancada do PSD chefiada por Duarte Lima várias vezes recusou criminalizar este tipo de crimes. 


PARAÍSOS FISCAIS 


A abertura de contas na Suíça e a utilização de paraísos fiscais para branquear dinheiro são hoje expedientes vulgares. À época, porém, o seu conhecimento em casos concretos era raro. Com um segredo bancário inexpugnável, a Suíça era um paraíso para ocultar capitais. Duarte Lima tinha contas no Swiss Bank Corporation, em Basileia, e daí transferiu dinheiro para a Cosmatic Properties, Ltd., uma empresa offshore que utilizou para várias aquisições. As autoridades suíças, porém, nunca forneceram os elementos bancários pretendidos pela investigação portuguesa porque Duarte Lima e a ex-mulher se opuseram a que tal acontecesse, impedindo judicialmente que a carta rogatória expedida pelas autoridades portuguesas fosse cumprida. 


TESTAS-DE-FERRO 


Os ganhos na bolsa foram a grande justificação de Duarte Lima para uma parte do património. Declarou ter ganho 60 mil contos, mas foram detectados investimentos feitos em seu nome mas formalmente pertencentes a outras pessoas. Em dois dos casos detectados tratava-se de empresas de construção civil: a Severo de Carvalho, a que Lima tinha grande ligação, e a Sociedade de Construções Translande. Foram descobertas contas co-tituladas por Lima e algumas dessas pessoas ou empresas, mas tinham um movimento quase nulo. Pelo contrário, os investimentos mais significativos na bolsa corriam exclusivamente por contas do ex-deputado. 


UM ESTRANHO MILHÃO 


A diferença entre os valores declarados ao Fisco e o movimentado nas contas é esmagadora e mostra um enriquecimento que Duarte Lima nunca conseguiu explicar. Os rendimentos declarados em sede de IRS, que não incluíram os movimentos de bolsa por não se encontrarem sujeitos a tributação, totalizaram 182 mil contos, entre 1987 e 1995. Mas o dinheiro movimentado nas contas tituladas por Lima apenas entre 1986 e 1994 é superior a um milhão de contos. Não há como registar as palavras dos próprios investigadores: 'O total de depósitos realizados nas contas tituladas pelo arguido Duarte Lima, entre 1986 e 1994, ultrapassou um milhão de contos, atingindo nos anos de 1992 a 1994 os 640 mil contos'. Tudo claro, numa investigação que não teve escutas telefónicas nem buscas a casa do arguido. 


DE POBRE A BARÃO CAVAQUISTA (ASCENSÃO E QUEDA DE UM MENINO DE CORO DESLUMBRADO COM O PODER) 


É o primeiro registo oficial do deputado Domingos Duarte Lima na Assembleia da República: III [1983-05-31 a 1985-11-03] - Círculo Eleitoral: Bragança - Grupo Parlamentar: PSD. Em Maio de 1983, quando se estreia no seu lugar no hemiciclo de S. Bento, Duarte Lima ainda não tinha completado os 28 anos. Haveria de os celebrar seis meses mais tarde, em Novembro. Mas a sua vida política não começa no Parlamento: dois anos antes, em 1981, inicia actividade na capital como assessor político e de imprensa do ministro da Administração Interna, Ângelo Correia. Nunca mais haveria de parar no seu caminho para o poder e para a fortuna, este rapaz nascido na Régua, em 1955, mas que viveu em Miranda do Douro até 1974. Foi primeiro deputado à Assembleia da República por Bragança de 1983 a 1995 - durante a III, IV, V e VI legislaturas. Depois promovido nas estruturas do partido fundado por Francisco Sá Carneiro, entrou nas listas por Lisboa, de 1999 a 2002, na VIII Legislatura. Voltaria novamente a concorrer por Bragança, de 2005 a 2009, na X Legislatura. A carreira meteórica de deputado coincidiu com uma ascensão política fulminante. Foi o todo-poderoso vice--presidente da Comissão Política Nacional do PSD entre 1989 e 1991, presidindo ao respectivo grupo parlamentar, de 1991 a 1994, durante a segunda maioria absoluta de Cavaco Silva. Com acesso a todos os gabinetes de ministros e secretários de Estado, é um nome mágico para empresários e particulares sequiosos de influência e proveitos. Vêm então os escândalos e cai em desgraça. Primeiro um construtor civil de Mogadouro envia-lhe um fax para o Parlamento a pedir um 'jeito' num concurso de obras. Depois, o semanário ?O Independente' conta a história da casa de Nafarros. Sucede-lhe José Pacheco Pereira, que tinha sido seu vice, e Lima inicia uma travessia do deserto. Perito em súbitas reviravoltas, porém, já em 1998 e com os socialistas no poder, vence Pedro Passos Coelho e Pacheco Pereira nas eleições para a Comissão Política Distrital de Lisboa do PSD, que dirigiu até 2000, deixando o lugar para aquela que seria a futura líder social-democrata, Manuela Ferreira Leite. Lima terá gasto milhares de contos em regularização de quotas e inscrição de novos militantes, grande parte deles recrutados em bairros sociais. 


POBRE E PROVINCIANO 


Licenciado em Direito pela Universidade Católica, mas advogado mais de título do que de exercício, Duarte Lima ocupou muitos outros cargos, sempre numa vida faustosa, que foi justificando como podia, ou conseguia. Na lista oficial que apresentou ao Parlamento consta a sua condição de 'membro da delegação portuguesa à Assembleia da NATO', mas também a ocupação de 'docente universitário'. Refere-se ainda ter sido condecorado com a Ordem do Mérito, atribuída pelo presidente da República de Itália. Segundo reza a história da sua origem humilde, quinto filho numa família de nove irmãos e órfão de pai aos 11 anos, ajudava a mãe, Maria de Jesus, a vender peixe em Miranda do Douro. O pai, Adérito Lima, fora funcionário da companhia eléctrica nacional até morrer de cancro. Quando entrou para a Universidade Católica, com uma bolsa que o livrou de pagar propinas, era olhado de lado e com indisfarçável estranheza pelos colegas. Pobre e provinciano, não se vestia como os outros. A mais tarde famosa jornalista Margarida Marante terá sido a única que lhe prestou alguma atenção. Tornou-se sua amiga. Duarte Lima oferecia-lhe alheiras feitas pela mãe. Margarida apresentava-lhe amigos, sobretudo na área do PSD. Músico predestinado desde a infância, em 1980 era maestro do coro da Católica. Pedro Santana Lopes e Pacheco Pereira assistiram a alguns dos seus concertos de órgão. Licenciou-se tarde, com 31 anos e 14 valores, como tarde tinha entrado na universidade, depois de frequentar o Liceu D. Pedro V, onde terminou o secundário com 19 valores. O estágio de advocacia foi feito no escritório do socialista José Lamego, que seria mais tarde secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de António Guterres e então era casado com Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República. Em finais de 1998, depois de muitos dos escândalos conhecidos nos jornais, foi atingido por uma leucemia em estado avançado, recebendo um transplante de medula, amplamente noticiado. Já curado, funda a Associação Portuguesa Contra a Leucemia, que iria criar o banco nacional de dadores de medula. Muitos médicos e dirigentes da associação sublinham a importância da exposição pública que Duarte Lima deu à doença e o papel que desempenhou. Casou a 18 de Novembro de 1982 com Alexina Bastos Nunes, em Fátima, numa cerimónia religiosa realizada pelo bispo de Bragança, D. António José Rafael. Desta união iria resultar o único filho de Domingos Duarte Lima, Pedro Miguel. Numa relação que viria a constar dos processos de investigação da PJ, divorciou-se de Alexina em 1995, casando mais tarde, em 2000, com Paula Gonçalves. Desde que Duarte Lima se terá envolvido com a brasileira Marlete Oliveira, a sua provisória secretária que entretanto já regressou ao Brasil , o casal só partilhava o mesmo apartamento. Com 56 anos, Duarte Lima - Domingos, para os amigos - é um homem rico e poderoso. Na luxuosa casa da av. Visconde Valmor, no centro de Lisboa, ofereceu jantares feitos pelo célebre chefe Luís Suspiro. Constam das memórias dos convidados as antiguidades dispostas nos salões e as explicações excêntricas dos pratos que Suspiro vinha à sala apresentar. José Sócrates foi um dos comensais mais famosos. 


O FILHO DE SEU PAI TORNOU-SE NUM TESTA-DE-FERRO 


Quando Domingos Duarte Lima anunciou que estava gravemente doente, com uma leucemia, apareceram as primeiras imagens do filho, Pedro Lima, então com apenas 13 anos, uma criança. Quando o ex-líder parlamentar do PSD foi detido, o filho foi com ele, agora já com 26 anos, também arguido no mesmo processo. Pedro Lima é suspeito de branqueamento de capitais, burla qualificada e fraude fiscal agravada, mas tudo indica estar de novo a dar a cara pelo pai. Lima, o filho, foi libertado e diz-se que não tem dinheiro para pagar a caução de 500 mil euros, ainda que seja sócio e administrador de cinco empresas. Há quem acrescente que Lima, o pai, fez dele testa-de-ferro dos seus negócios. No dia do aniversário de Duarte Lima, Pedro lá estava como visita. 


'O SEU ENRIQUECIMENTO MOSTRA A DEGRADAÇÃO DO REGIME' 


(Paulo Morais, professor universitário e dirigente da organização Transparência e Integridade) 


Duarte Lima (DL) está preso. Mas mais do que o homem, o que está sob suspeição é o que ele simboliza e a classe política a que pertence. Em primeiro lugar, porque DL foi o primeiro grande representante da promiscuidade excessiva entre a política e os negócios. Como tantos outros que se lhe seguiram, o então líder parlamentar do PSD acumulava o seu papel de representante do Povo e do Estado Português com as funções de consultor de grupos que faziam negócios com esse mesmo Estado, como o grupo Mota. Assessorava até entidades cuja actividade depende de despachos administrativos do Governo, como a Associação Nacional de Farmácias e outros. Quem servia então Duarte Lima? O Povo que o elegera ou as empresas que lhe pagavam? Além do mais, DL esteve ligado a negócios com o banco que constitui o maior escândalo empresarial deste regime, o BPN. Consta ainda que, como todos os grandes vigaristas do regime, andou a comprar terrenos baratos, valorizando-os depois através da influência política nas câmaras e no Governo. Realizava assim fortunas com as vendas imobiliárias, mas também com os esquemas de financiamentos que hipervalorizavam as garantias. Duarte Lima está preso. Mas os vícios de um regime que ele, melhor do que ninguém, representa continuam impunemente à solta. Toda a sua vida política e empresarial, todo o seu enriquecimento, são representativos do quanto este regime se degradou."