domingo, 27 de fevereiro de 2011

Geração parva?

 Este é o artigo original de por Gonçalo Morgado Marques a quinta-feira, 24 de Fevereiro de 2011 às 14:23:


EDITORIAL

A parva da Geração Parva

17 | 02 | 2011   21.12H
Isabel Stilwell | editorial@destak.pt


"Acho parvo o refrão da música dos Deolinda que diz «Eu fico a pensar, que mundo tão parvo, onde para ser escravo é preciso estudar». Porque se estudaram e são escravos, são parvos de facto. Parvos porque gastaram o dinheiro dos pais e o dos nossos impostos a estudar para não aprender nada.
Já que aprender, e aprender a um nível de ensino superior para mais, significa estar apto a reconhecer e a aproveitar os desafios e a ser capaz de dar a volta à vida.
Felizmente, os números indicam que a maioria dos licenciados não tem vontade nenhuma de andar por aí a cantarolar esta música, pela simples razão de que ganham duas vezes mais do que a média, e 80% mais do que quem tem o ensino secundário ou um curso profissional.
É claro que os jovens tiveram azar no momento em que chegaram à idade do primeiro emprego. Mas o que cantariam os pais que foram para a guerra do Ultramar na idade deles? A verdade é que a crise afecta-nos a todos e não foi inventada «para os tramar», como egocentricamente podem julgar, por isso deixem lá o papel de vítimas, que não leva a lado nenhum.
Só falta imaginarem que os recibos verdes e os contratos a termo foram criados especificamente para os escravizar, e não resultam do caos económico com que as empresas se debatem e de leis de trabalho que se viraram contra os trabalhadores.
Empolgados com o novo ‘hino’, agora propõem manifestar-se na rua, com o propósito de ‘dizer basta’. Parecem não perceber que só há uma maneira de dizer basta: passando activamente a ser parte da solução. Acreditem que estamos à espera que apliquem o que aprenderam para encontrar a saída. Bem precisamos dela."
Encontram-no neste Link: http://www.destak.pt/opiniao/87876

Não consegui deixar de responder... então, enviei o seguinte e-mail à "parva":

"Cara Isabel Stilwell,

Antes de mais espero que este a-mail a encontre bem, se é que algum dia chegará aos seus olhos. Espero que sim!

Custa-me acreditar que alguém com o seu nível possa sequer pensar em fazer um artigo com este título e teor (o artigo encontra-se transcrito abaixo). É ridícula a forma como pensa e a falta de informação que pelos vistos tem, porque a demonstra, nos assuntos por si abordados no mesmo.

Primeiro de tudo, vou-me identificar e situá-la um pouco, para que possa ter uma noção do porquê desta minha reacção ao seu artigo. O meu nome é Gonçalo Morgado Marques, tenho 25 anos e sou formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Lusíada (sim, uma universidade privada! Que parvo que sou por gastar tanto dinheiro em estudos!). Trabalho desde os meus 15 anos, logo já conto com 10 anos de trabalho e respectivos descontos. Habituado a fazer a vida sem depender de ninguém, cedo me apercebi que era realmente importante ingressar numa formação superior, tentando assim, com o tempo, melhorar a minha condição de vida. Com grande sacrifício pessoal e também dos meus pais, consegui fazer o curso de direito e terminá-lo nos 5 anos (duração do curso). Digo sacrifício porque ao longo de todo o meu curso não fui só um estudante, fui também um trabalhador por conta de outrem! Se não tem noção, digo-lhe já que não é tarefa nada fácil e pouco ou nada compensadora para quem aufere 750€/mês (o que já é muito bom!). Tal não é o meu espanto que quando acabo o curso e sou obrigado a fazer um estágio profissional de 2 anos (inerente à profissão de advogado em que pretendia ingressar) e me dizem que não existe nenhuma obrigatoriedade de pagamento de tal estágio, ou seja, seria um escravo (é essa a definição que tenho). Tentei vários escritórios de advogados e havia sim os que realmente pagavam aos seus estagiários (cerca de 5%), mas as funções eram sempre as mesmas e pouco ou mesmo nada se aprendia (o estágio serve para isso mesmo, aprender!). Optei por um escritório de advogados mais pequeno em que pudesse realmente aprender qualquer coisa, mas tal como 95% dos escritórios em que fiz entrevistas, este não pagava aos estagiários. TORNEI-ME UM ESCRAVO! Ou melhor, PIOR QUE UM ESCRAVO pois pagava para trabalhar (despesas de transporte, alimentação, telemóvel, entre outras). E no meio disto tudo, como pagava essas despesas!? Com outro trabalho, que me pagava e em que tinha funções que V. Excia certamente considera “inferiores”. Ou seja, para me sustentar e sustentar o meu estágio fui forçado a ter dois Trabalhos (muita gente diria empregos, mas eu digo TRABALHO!). Certo e sabido que a energia e o ânimo para manter esta situação foi-se desvanecendo, tornando-se a mesma, com o tempo, impraticável! Tomei uma decisão, abdiquei dos meus sonhos e EMIGREI! Hoje, estou a viver em Maputo, Moçambique, trabalho num escritório de Advogados conceituado, em que sou Consultor Senior (imagine-se em Portugal ser senior com 25 anos, IMPENSÁVEL!). Tenho a minha vida de novo nos carris e não tenciono sair daqui.

Mas eu não estou a responder a este seu artigo para falar de mim, agora que já a situei, posso passar à minha crítica às barbaridades (peço desculpa, mas não encontro outro nome para definir) que escreveu neste artigo.
Sempre me disseram que para criticarmos alguém devemos primeiro colocar-nos nos sapatos dessa pessoa. Experimentou colocar-se nos sapatos de um comum jovem português? Digo comum, referindo-me aqueles, que tal como eu, não têm pais influentes que conseguem “cunhas” e “tachos” para os filhos! Não encare isto como uma crítica a esses jovens, porque não é.. nessa posição faria talvez o mesmo... Agora coloque-se nos sapatos de um jovem comum, recém licenciado, que procura desesperadamente o primeiro emprego e tudo o que lhe oferecem são estágios de curta duração que nem remunerados são. Não pensaria na mesma linha que a Ana Bacalhau (vocalista dos Deolinda)? Eu acho que sim! E mesmo aceitando essa proposta, na esperança de: “eu vou provar as minhas capacidades e irei ficar nesta empresa”, essa esperança irá, na GRANDE maioria dos casos, sair frustada. Pois qualquer empresa prefere contratar mais um “parvo” (como refere) que irá preencher aquele lugar e a quem não terá de dar boas condições, nem mesmo pagar o que quer que seja. Já se colocou nestes sapatos?

Como directora de um meio de comunicação era inteligente da sua parte informar-se sobre os assuntos sobre os quais escreve. Sabia que em termos proporcionais, são mais os desempregados com Formação superior do que aqueles que não a têm!? Ainda acha “parvo”  o refrão da música dos Deolinda? Explique-me por favor o que se aprende num curso
superior que nos possa fazer dar a volta a esta situação! Como, com o que aprendemos, podemos dar a volta à precariedade laboral, à ganância de gestores e empresas, à ganância política, ao aproveitamento de quem precisa e ao “desumanismo”. Ainda digo mais, vá para uma faculdade de hoje e, SEJA ELA QUAL FOR, veja se ainda mantém esta definição de ensino superior, face à realidade que hoje se vive.. Parva é esta sua frase: “aprender a um nível de ensino superior para mais, significa estar apto a reconhecer e a aproveitar os desafios e a ser capaz de dar a volta à vida”. Acho que não está totalmente ciente da realidade social dos dias de hoje nem àquilo que se passa à sua volta... Talvez
tenha ficado perdida num dos seus romances históricos sobre raínhas e princesas.... OLHE À SUA VOLTA!!!

No seu “parvo” artigo, refere que 80% dos licenciados ganham duas vezes mais do que a média (comparando com aqueles que não têm licenciatura ou formação superior). Não duvido! Mas isso aplica-se aos licenciados que realmente têm um trabalho!!! Quando se faz um comentário destes deve-se ver “a coisa” por várias perspectivas e não só por aquela que mais nos convém! É “parvo” pensar e actuar assim! É ÓBVIO que a crise afecta-nos a todos e nós não somos as vítimas exclusivas! Mas tal como todos, temos o direito a demonstrar a nossa insatisfação! Não somos vítimas! Não somos os “Coitadinhos”... Mas como sabe, e certamente melhor que eu, é difícil um jovem ser ouvido, respeitado e entendido, porque pessoas como V. Excia têm ideias pré-concebidas e pouca ou nenhuma atenção dão. PARA SE APRESENTAREM SOLUÇÕES É PRECISO QUE QUEM AS TENHA SEJA OUVIDO! Não quer soluções? Não acha que deviam partir de nós (jovens)!? então oiçam-nos!! Estão à espera que apliquemos o que aprendemos!? Como? Para isso é preciso dar oportunidade aos jovens!! Onde está essa oportunidade? No trabalho precário? No trabalho escravo!? No trabalho a recibos verdes!? Essas coisas não foram criadas para nos escravizar, mas somos nós enquanto jovens que estamos a pagar por anos e anos de má gestão das gerações anteriores. Detesto generalizações e normalmente não as faço, mas como as fez, vou seguir a sua linha de raciocínio! Se estamos nesta situação a culpa é de quem!? Nossa!? Não me vai dizer que é da economia mundial!? Também é, é um facto, mas então e os anos de má gestão por parte dos políticos que pessoas da sua idade ajudaram a eleger? Então e se não estão contentes com a situação porque não se fazem ouvir? O nosso problema enquanto jovens é a vossa herança, são os problemas que vocês e mais ninguém ajudaram a criar! Ponha-se no “nosso” lugar de “parvos” e verá a sua atitude a mudar um pouco!

Esta resposta não tenta proteger aqueles jovens que pouca ambição e vontade têm, que os há! Mas sim defender aqueles, que como eu se sentiram ofendidos com aquilo que escreve.

Por isso, e em modo de conclusão, a única “parva” aqui, já ficou definida e dá pelo nome de Isabel Stilwell. Espanta-me que ainda esteja como directora do Destak e não como Directora de um Jornal Expresso, ou diria mesmo de algum conhecido jornal internacional! Ahhh, caso não tenha percebido, estou a ser irónico! Ponha um “parvo” (leia-se jovem) no seu lugar e verá que ele fará certamente um melhor trabalho ou, no mínimo, irá abster-se de escrever artigos de opinião “parvos”!

Lanço aqui um desafio. Vá para a rua nesse dia e fale com os “parvos”... verá que não são todos tão parvos como a Sra.

Os Melhores Cumprimentos,

Gonçalo Morgado Marques"

NÃO RESISTI!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Carta de Eugénio Rosa ao presidente do IEFP

A MÁ CONSCIÊNCIA DO PRESIDENTE DO IEFP E OS “DESAPARECIDOS” DOS FICHEIROS DOS CENTROS DE EMPREGO
Num artigo assinado e publicado no Jornal de Negócios de 21/2/2011, a propósito de responder a Camilo Lourenço, o presidente do IEFP, faz-me um ataque pessoal. É evidente que não vou descer ao nível de Francisco Madelino que, à falta de argumentos, substitui o debate objectivo e fundamentado por ataques que revelam um anticomunismo primário e a falta de espírito democrático. Para que o leitor possa apreciar o teor dos argumentos utilizados pelo presidente do IEFP vou transcrever algumas das suas palavras. Segundo ele a analise que faço dos números do desemprego registado divulgados mensalmente pelo IEFP são “panfletos dum conhecido economista do partido comunista, há quarenta anos, ex-deputado e ex-director geral em 1975”. O objectivo é claro: desacreditar aquelas análises como pretexto que são orientadas por critérios político-partidários.
Mas deixemos este tipo de linguagem, que só caracteriza quem a utiliza (faz lembrar os tempos negros do salazarismo) e passemos aos factos para que o leitor possa ele próprio tirar as suas conclusões. Os dados que vou utilizar constam da Informação Mensal sobre o mercado de emprego que está disponível no “site” do IEFP, portanto acessível ao leitor.
Todos os meses o IEFP divulga dados sobre o desemprego registado que, naturalmente, abrange apenas uma parte dos desempregados existentes no nosso País. E isto porque não inclui os desempregados que não tomaram a iniciativa de se inscreveram nos Centros de Emprego e que, naturalmente, não são poucos por razões bem conhecidas. Analisemos então os últimos números divulgados pelo IEFP, que são os de Janeiro de 2011.
Segundo o IEFP, no dia 1 de Janeiro de 2011, estavam inscritos nos Centros de Emprego 541.840 desempregados, que eram os que transitaram do fim do mês de Dezembro de 2010. De acordo com a mesma Informação Mensal de Janeiro de 2011, inscreveram-se nos Centros de Emprego, durante o mês de Janeiro deste ano, 63.269 desempregados, e o IEFP colocou (arranjou emprego) para 4.327 desempregados. Fazendo contas simples deviam existir inscritos nos Centros de Emprego, no fim do mês de Janeiro deste ano, 600.782 (541.840+63.269-4.327). No entanto, na Informação Mensal referente a Janeiro de 2011 sobre o mercado de emprego publicada pelo IEFP, este informa que existiam, no fim do mês de Janeiro de 2011, apenas 557.244 desempregados inscritos nos Centros de Emprego. Portanto, como é fácil concluir desapareceram dos ficheiros dos Centros de Emprego 43.538 (600.782-557.244) desempregados. E o IEFP continua a não explicar a razão deste “desaparecimento”.
Perante esta diferença o que tenho feito é o seguinte: alerto a opinião pública, nos estudos que faço, para a discrepância que existe nos dados divulgados pelo IEFP e para a necessidade, por uma questão de transparência, do IEFP incluir na Informação que divulga mensalmente não só o desemprego registado, como faz, mas também o número de “desaparecidos” e as razões que levam o IEFP a eliminar um numero tão elevado de desempregados, todos os meses (porque isso acontece em todos os meses) dos seus ficheiros. E é este esclarecimento que o presidente do IEFP devia dar, mas que se tem sempre recusado.
O nosso povo tem um ditado muito apropriado que se aplica a situações como esta, e que é o seguinte:”quem não deve, não teme”. Mas é evidente, que o presidente do IEFP ao recusar sistematicamente dar tal esclarecimento, mostra que teme. É evidente também que este “desaparecimento” de um numero tão elevado de desempregados, no período imediatamente anterior à publicação dos dados sobre o desemprego registado, serve objectivamente os propósitos propagandísticos do governo. É um “desaparecimento” minimamente muito conveniente. Isso até pode ser uma razão que explica as quebras que se têm verificado em contra-ciclo com os dados do INE.
É evidente que após a sua eliminação, muitos desses desempregados tornam-se a inscrever nos Centros de Emprego por se terem apercebido que tinham sido eliminados administrativamente. Por isso o argumento utilizado por Francisco Madelino de que isso não é verdade, porque a soma dos eliminados todos os meses daria ao fim de um ano, um número irreal, não colhe. A verdade é que a sua eliminação antes da publicação dos dados mensais serve objectivamente o governo porque reduz o desemprego registado e, ainda por cima, sem qualquer explicação acaba por passar despercebido à opinião pública.
O desafio que fazemos ao presidente do IEFP é o que temos sempre feito, e que ele tem ignorado, que é o seguinte: que passe a divulgar mensalmente o numero dos desempregados “desaparecidos” dos ficheiros dos Centros do Emprego assim como as razões que levaram o IEFP a eliminar esse número tão elevado de desempregados. Enquanto não fizer isso, a credibilidade dos dados do IEFP será reduzida, e não se livra da acusação de eles servirem os propósitos propagandísticos do governo. Os trabalhadores do IEFP não têm qualquer responsabilidade porque se limitam a aplicar um regulamento aprovado pelo presidente do IEFP. E isto apesar de Francisco Madelino os procurar envolver.
Para terminar quero deixar uma coisa clara: não é fazendo “queixinhas” ao secretário geral da CGTP, onde trabalho, como fez numa carta que lhe enviou e que foi publicada num jornal que me fará calar na defesa da verdade e que me impedirá de exercer o direito de liberdade de expressão consagrado na Constituição da República.
Eugénio Rosa, Economista , 21.2.2010

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

No Egito, como vai ser?

Preocupações


A luta do povo do Egito foi uma luta de todos os povos. Vivemos intensamente, colados às televisões, de ouvidos atentos às rádios, procurando na Internet,  lendo avidamente os jornais, “a torcer” pela combatividade de um povo, que não arredou pé da praça Tahrir no Cairo, até à demissão de Mubarak. 
A queda do ditador fez recordar o nosso 25 de Abril de 1974. 
A explosão de alegria atingiu todos nós. Estava cumprida a primeira etapa de uma luta de libertação de um povo. Luta que é parte da luta de todos nós por um mundo melhor, mais justo, socialmente falando. Contudo, para muitos, logo o pensamento no futuro nos trouxe algumas preocupações. E agora como vai ser? Que força continuará a ter o povo egípcio para não se deixar enganar pelas ajudas “interessadas” de alguns poderosos? 


Voltei a recordar no nosso 25 de Abril de 1974. Passados trinta e sete anos, imagino que precisávamos de um novo 25 de Abril.  O percurso que deixámos que fosse feito, fez-nos retroceder, fez-nos perder grande parte das conquistas e das esperanças que se confirmavam nos dias seguintes do primeiro ano de Portugal liberto da ditadura fascista.
Também no Egito o percurso está por definir. Os riscos são grandes. Os governos dos EUA e da União Europeia estão atentos e activos no seu papel de defesa dos interesses hegemónicos e económicos do grande capital. Eles tiveram, à última hora, que apoiar o povo para poderem controlar o processo. Os EUA e a NATO estão activos e, à distância, a cercar o Egito e a Tunísia, e a posicionar-se com os seus meios navais no Mediterrâneo Oriental. Certamente, esperam aproveitar oportunidades para ajudar as contra-revoluções, com os seus representantes e intermediários, como fizeram em Portugal. 


Iniciaram-se as negociações. Qual é a sua natureza? Mubarak saiu, foi uma vitória, mas os seus aliados ficaram. Quem é que representa o povo nessas negociações? Uma nova casta? 
Esses negociadores poderão ser a contra-revolução que manterá em vigor os interesses que já existiam e eram executados por Mubarak. Lembremo-nos que os “ditadores não ditam, obedecem”. 


Nós que sofremos os efeitos dos desvios que a nossa revolução de Abril tomou, temos razões para estar preocupados. Estaremos atentos às manobras de “adormecimento” do povo.  


Esta "fase de transição" poderá ser usada para ganhar tempo, para desgastar as “vontades” e levar ao baixar de braços, como em Portugal, e preservar as políticas económicas neoliberais usando os mesmos pretextos das dívidas externas, para submeter o povo. 


São perguntas e dúvidas que só o povo pode responder.


Os poderosos, são poderosos. Mas os "povos unidos" mais poderosos são!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Teorias e práticas económicas - Keynes

Ironias do destino

Do Valor
Sérgio Birchal
16/11/2010

O assunto em voga em economia é a questão do câmbio. Foi o tema principal na última reunião do G-20. O ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, denunciou a existência de uma guerra cambial, mas a tensão principal é entre os Estados Unidos e a China. Os Estados Unidos acusam a China de manter a sua moeda desvalorizada artificialmente e ameaçam retaliar os produtos chineses no mercado americano. O governo chinês, por sua vez, replica dizendo que seria social e politicamente insustentável promover uma valorização da moeda na velocidade que exigem os Estados Unidos.

Por detrás da polêmica acerca da moeda chinesa está a questão do reequilíbrio das transações internacionais. Com uma moeda desvalorizada, uma mão de obra educada, abundante e barata, a China se transformou na fábrica do mundo, superando os próprios Estados Unidos.

Os ganhos de produtividade decorrentes desses e de outros fatores (como os volumes de produção, por exemplo) tornaram os produtos chineses extremamente competitivos no comércio internacional. Assim, nas últimas duas décadas, a economia chinesa cresceu exponencialmente vendendo em larga escala uma coleção cada vez mais variada e sofisticada de produtos para os americanos.

Empresas americanas, inclusive se apressaram em transferir suas linhas de produção para a China. Esse, talvez, seja o aspecto mais singular do fenômeno chinês quando comparado com outras economias da Ásia como Japão, Coreia do Sul e demais Tigres Asiáticos.

Mas a maior ironia dessa polêmica é que ela, talvez, nem existisse se, no fim da Segunda Guerra Mundial, os americanos houvessem concordado com a proposta do secretário do Tesouro britânico, John Maynard Keynes.

Talvez poucos ainda se lembrem disso, mas, em julho de 1944, 730 delegados de todos os 40 países que compunham as "Nações Aliadas" se reuniram no Mount Washington Hotel, em Bretton Woods, no estado de New Hampshire, Estados Unidos. A reunião tinha por objetivo criar as condições para a reconstrução do sistema econômico internacional e do sistema monetário internacional. O sistema monetário internacional é o sistema que estabelece a relação de valor de troca entre as diferentes moedas.

O antigo sistema baseado no ouro havia se esfacelado após a Primeira Guerra Mundial e o que se sucedeu foi uma guerra cambial e a adoção de sistemas diferentes que não se comunicavam.

Assim, os delegados que participavam da Conferência Financeira e Monetária das Nações Unidas concordaram e assinaram o Tratado de Bretton Woods nas primeiras semanas de julho de 1944. Esse tratado estabelecia as regras, as instituições e os procedimentos para regular o sistema monetário internacional daí em diante. As moedas passaram a ser cotadas em relação ao dólar americano que, por sua vez, guardava uma paridade fixa com o ouro. A paridade fixa em relação ao ouro foi abandonado pelos Estados Unidos em 1971, que mesmo assim manteve a moeda de circulação internacional.

As principais instituições criadas a partir desse tratado foram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, mais tarde conhecido como o Banco Mundial. Esse conjunto de regras, instituições e procedimentos se constituíram no que ficou conhecido como sistema Bretton Woods.

Porém, a grande discussão na conferência de Bretton Woods dizia respeito à extensão dos poderes do FMI na emergente economia mundial pós-Segunda Guerra. Apesar da presença de delegações de todas as 44 nações, os debates eram dominados pelas propostas divergentes entre os Estados Unidos e o Reino Unido. A proposta de Harry Dexter White, que era o economista-chefe para a área internacional do Tesouro dos Estados Unidos, favorecia a criação de incentivos para a estabilidade monetária da economia mundial.

Já a proposta de Keynes previa a criação de uma moeda de reserva mundial (que ele sugeriu que se chamasse "bancor") administrada por um banco central com poderes para criar moeda e com a autoridade para tomar medidas mais amplas. Por exemplo, no caso de desequilíbrios nas contas externas, Keynes propunha que tanto os credores quanto os devedores deveriam mudar as suas políticas econômicas. Assim, os países superavitários (ou credores) em suas contas externas (como é o caso da China hoje) deveriam aumentar as suas importações dos países deficitários (ou devedores, como é o caso dos Estados Unidos hoje). Dessa forma, seriam criadas as bases para um comércio internacional equilibrado. Mas os Estados Unidos, como a possível maior economia superavitária no pós-Guerra e como a nova potência econômica e militar mundial, rejeitaram a proposta de Keynes.

As preocupações dos americanos eram outras; e viam os desequilíbrios externos como um problema apenas dos países deficitários (devedores). No final das contas prevaleceu a proposta dos Estados Unidos.

Hoje os Estados Unidos e os países mais desenvolvidos reivindicam as velhas ideias de Keynes. Eles querem que os países emergentes arquem com o problema da apreciação cambial em função de suas posições superavitárias (credoras) no comércio internacional. Talvez, os americanos amarguem não ter concordado com a proposta do Secretário do Tesouro Britânico. Hoje, talvez, polêmicas sobre desequilíbrios comerciais e guerra cambial não fizessem sentido. Ironias do destino.

Sérgio Birchal é PhD em História Econômica pela London School of Economics (LSE)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Partidos Comunistas

As Seis Características Fundamentais de um Partido Comunista
Álvaro Cunhal
15 de Setembro de 2001

Intervenção enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi , em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição. O Encontro abordou três grandes temas: "Una concepción y un método para enfrentar los desafíos del nuevo milenio"; "Democracia, democracia avanzada y socialismo"; "Por la unidad de la izquierda a la conquista del gobierno".
Fonte: Portal Vermelho.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, fevereiro 2008.

O quadro das forças revolucionárias existentes no mundo alterou-se nas últimas décadas do século XX.

O movimento comunista internacional e os partidos seus componentes sofreram profundas modificações em resultado da derrocada da URSS e de outros países socialistas e do êxito do capitalismo na competição com o socialismo.

Houve partidos que renegaram o seu passado de luta, a sua natureza de classe, o seu objectivo de uma sociedade socialista e a sua teoria revolucionária. Em alguns casos, tornaram-se partidos integrados no sistema e acabaram por desaparecer.

Esta nova situação no movimento comunista internacional abriu na sociedade um espaço vago no qual tomaram particular relevo outros partidos revolucionários que, nas condições concretas dos seus países, se identificaram com os partidos comunistas em aspectos importantes e por vezes fundamentais dos seus objectivos e da sua acção.

Por isso, quando se fala hoje do movimento comunista internacional, não se pode, como em tempos se fez, colocar uma fronteira entre partidos comunistas e quaisquer outros partidos revolucionários. O movimento comunista passou a ter em movimento uma nova composição e novos limites .

Estes acontecimentos não significam que partidos comunistas, com a sua identidade própria, não façam falta à sociedade. Pelo contrário. Com as características fundamentais da sua identidade, partidos comunistas são necessários, indispensáveis e insubstituíveis , tendo em conta que assim como não existe um “modelo” de sociedade socialista, não existe um “modelo” de partido comunista.

Entretanto, com diferenciadas respostas concretas a situações concretas, podem apontar-se seis características fundamentais da identidade de um partido comunista, tenha este ou outro nome.

1ª - Ser um partido completamente independente dos interesses, da ideologia, das pressões e ameaças das forças do capital.

Trata-se de uma independência do partido e da classe, elemento constitutivo da identidade de um partido comunista. Afirma-se na própria acção, nos próprios objectivos, na própria ideologia.

A ruptura com essas características essenciais em nenhum caso é uma manifestação de independência mas, pelo contrário, é, em si mesma, a renúncia a ela.

2ª - Ser um partido da classe operária, dos trabalhadores em geral, dos explorados e oprimidos .

Segundo a estrutura social da sociedade em cada país, a composição social dos membros do partido e da sua base de apoio pode ser muito diversificada. Em qualquer caso, é essencial que o partido não esteja fechado em si, não esteja voltado para dentro, mas, sim voltado para fora, para a sociedade, o que significa, não só mas antes de mais, que esteja estreitamente ligado à classe operária e às massas trabalhadoras.

Não tendo isto em conta, a perda da natureza de classe do partido tem levado à queda vertical da força de alguns e, em certos casos, à sua autodestruição e desaparecimento.

A substituição da natureza de classe do partido pela concepção de um “partido dos cidadãos” significa ocultar que há cidadãos exploradores e cidadãos explorados e conduzir o partido a uma posição neutral na luta de classes – o que na prática desarma o partido e as classes exploradas e faz do partido um instrumento apendicular da política das classes exploradoras dominantes.

3ª - Ser um partido com uma vida democrática interna e uma única direcção central.

A democracia interna é particularmente rica em virtualidades nomeadamente: trabalho colectivo, direcção colectiva, congressos, assembleias, debates em todo o partido de questões fundamentais da orientação e acção política, descentralização de responsabilidades e eleição dos órgãos de direcção central e de todas as organizações.

A aplicação destes princípios tem de corresponder à situação política e histórica em que o partido actua.

Nas condições de ilegalidade e repressão, a democracia é limitada por imperativo de defesa. Numa democracia burguesa, as apontadas virtualidades podem conhecer, e é desejável que conheçam, uma muito vasta e profunda aplicação.

4ª - Ser um partido simultaneamente internacionalista e defensor dos interesses do país respectivo.

Ao contrário do que em certa época foi defendido no movimento comunista, não existe contradição entre estes dois elementos da orientação e acção dos partidos comunistas.

Cada partido é solidário com os partidos, os trabalhadores e os povos de outros países. Mas é um defensor convicto dos interesses e direitos do seu próprio povo e país. A expressão “partido patriótico e internacionalista” tem plena actualidade neste findar do século XX. Pode, na atitude internacionalista, incluir-se, como valor, a luta no próprio país e, como valor para a luta no próprio país, a relação de solidariedade para com os trabalhadores e os povos de outros países.

5ª - Ser um partido que define, como seu objectivo, a construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores, uma sociedade socialista.

Este objectivo tem também plena actualidade. Mas as experiências positivas e negativas da construção do socialismo numa série de países e as profundas mudanças na situação mundial, obrigam a uma análise crítica do passado e a uma redefinição da sociedade socialista como objectivo dos partidos comunistas .

6ª - Ser um partido portador de uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que não só torna possível explicar o mundo, como indica o caminho para transformá-lo.

Desmentindo todas as caluniosas campanhas anticomunistas, o marxismo-leninismo é uma teoria viva, antidogmática, dialéctica, criativa , que se enriquece com a prática e com as respostas que é chamada a dar às novas situações e aos novos fenómenos. Dinamiza a prática, enriquece-se e desenvolve-se criativamente com as lições da prática.

Marx no “O Capital” e Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista” analisaram e definiram os elementos e características fundamentais do capitalismo. O desenvolvimento do capitalismo sofreu porém, na segunda metade do século XIX, uma importante modificação. A concorrência conduziu à concentração e a concentração ao monopólio.

Deve-se a Lénine, na sua obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, a definição do capitalismo nos finais do século XIX.

Extraordinário valor têm estes desenvolvimentos da teoria. E igual valor têm a investigação e a sistematização dos conhecimentos teóricos.

Numa síntese de extraordinário rigor e clareza, um célebre artigo de Lénine indica “as três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”.

Na filosofia, o materialismo-dialéctico, tendo no materialismo histórico a sua aplicação à sociedade.

Na economia política, a análise e explicação do capitalismo e da exploração, cuja “pedra angular” é a teoria da mais-valia.

Na teoria do socialismo, a definição de uma sociedade nova com a abolição da exploração do homem pelo homem.

Ao longo do século XX, acompanhando as transformações sociais, novas e numerosas reflexões teóricas tiveram lugar no movimento comunista. Porém, reflexões dispersas, contraditórias, tornando difícil distinguir o que são desenvolvimentos teóricos, do que é o afastamento revisionista de princípios fundamentais.

Daí o carácter imperativo de debates, sem ideias feitas nem verdades absolutizadas, procurando, não chegar a conclusões tidas por definitivas, mas aprofundar a reflexão comum.

É de esperar que o Encontro Internacional na Fundação Rodney Arismendi de Setembro do ano corrente dê uma contribuição positiva para que este objectivo seja alcançado.

Do blogue "O Castendo"
As seis características fundamentais de um partido comunista (I)
    Intervenção de Álvaro Cunhal enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi, em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição. O Encontro abordou três grandes temas: "Una concepción y un método para enfrentar los desafíos del nuevo milenio"; "Democracia, democracia avanzada y socialismo"; "Por la unidad de la izquierda a la conquista del gobierno".

1
   
O século XX fica assinalado para sempre pela revolução russa de 1917, pelo poder político do proletariado e pela construção duradoura, a primeira vez na história, de uma sociedade sem exploradores nem explorados.
Tinham-se registado anteriormente insubordinações, rebeliões e revoltas. Dos escravos, dos servos da gleba, das classes exploradas e oprimidas. Mas em nenhum caso essas lutas tinham o objectivo (ou sequer a admissão da possibilidade) de construir uma sociedade nova libertadora.
A falsidade da historiografia oficial, as caluniosas e gigantescas campanhas anticomunistas e o renegar do próprio passado por alguns, tornam necessário aos comunistas lembrar o que foi e significou a revolução russa de 1917 e a construção da União Soviética. Lembrar e justificar a afirmação de que se trata do principal acontecimento histórico do século XX e um dos mais assinaláveis na história da humanidade.
Lembrar também que, antecedente próximo da revolução russa, na Comuna de Paris de 1871, o proletariado tomou o poder e, dando prova de um heroísmo de massas, iniciou a construção de uma nova sociedade.
Lembrar que, em Paris, capital de França, durante 102 dias a bandeira vermelha da classe operária flutuou hasteada no município. Lembrar o assalto dos exércitos reaccionários, a monstruosa repressão, o massacre de 30 000 parisienses, um total de 100 000 assassinatos, execuções, condenações a trabalhos forçados.
Mas sublinhar sempre que, vencida a Comuna de Paris, não o foi o curso da nova história da humanidade que ela iniciou, por ter sido como que a alvorada anunciadora da revolução russa de 1917 que iniciou de facto o caminho de um novo sistema social, sem precedentes na história. Muitos esquecem que, ao longo de mais de meio século, esse sistema ganhou terreno como alternativa ao sistema capitalista. São acontecimentos que ficarão para sempre como referências e valores da humanidade na luta pela sua própria libertação.
A edificação do novo Estado, traduzida na consigna “todo o poder aos sovietes de operários, camponeses e soldados”, significou a instauração do poder popular e um elemento-base do Estado e de uma democracia “mil vezes mais democrática que a mais democrática das democracias burguesas”.
No plano económico, a partir do controle operário, as terras, as fábricas, as minas, os transportes ferroviários, os bancos, passaram a pertencer ao Estado de todo o povo, determinando um fulgurante desenvolvimento.
A par das empresas do Estado, realizou-se uma profunda transformação da agricultura, com a colectivização agrícola, na qualsovkozes (unidades do Estado) e o movimento colkoziano de massas (cooperativas) desempenharam papel determinante.
No plano social, foram assegurados os direitos à habitação, à assistência médica e ao ensino. Foi reconhecida de facto a igualdade de direitos às mulheres. Foram libertadas do domínio dos grandes senhores as instituições culturais.
A União Soviética alcançou grandes descobertas e avanços na ciência e nas novas e revolucionárias tecnologias, que lhe permitiram, a par do desenvolvimento económico e social, atingir um potencial militar que, durante décadas, manteve em respeito a política agressiva do capitalismo. Ter sido um soviético o primeiro ser humano a libertar-se da gravidade terrestre e a voar no espaço ilustra este êxito espectacular.
É também necessário que não se esqueça a contribuição que a União Soviética deu para o desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo, para novas revoluções socialistas, para a conquista de direitos fundamentais pelos trabalhadores nos países capitalistas, para o desenvolvimento do movimento nacional libertador e para, ao preço de 20 milhões de vidas (na acção dos exércitos, em campos de concentração, em gigantescos massacres de populações indefesas), derrotar a Alemanha hitleriana na 2ª Guerra Mundial, dando contribuição decisiva para salvar o mundo da barbárie fascista.
Não bastam porém a exposição objectiva e valorativa destas realidades. É indispensável, ao mesmo tempo, proceder a uma análise crítica e autocrítica de aspectos, factos e fenómenos negativos registados.
É uma verdade elementar que a derrocada da União Soviética e de outros países socialistas resultou de uma série de circunstâncias externas e internas. Não de igual influência. Pesaram com relevo factores de ordem interna. O facto é que, na construção da nova sociedade, se verificou um afastamento dos ideais e princípios do comunismo, a progressiva degradação da política do Estado e do partido, em resumo, a criação de um “modelo” que, com a traição de Gorbachov, conduziu à derrota e à derrocada.
O “modelo”, que se foi criando, traduziu-se num poder fortemente centralizado e burocratizado, numa concepção administrativa de decisões políticas, na intolerância ante a diversidade de opiniões e ante críticas ao poder, no uso e abuso de métodos repressivos, na cristalização e dogmatização da teoria.
Comprometido o poder político da classe operária e das massas trabalhadoras. Comprometida a nova democracia. Comprometido o desenvolvimento económico que, assente na militância e vontade do povo, alcançou um ritmo vertiginoso nas primeiras décadas do poder soviético. Comprometido o carácter dialéctico, criativo, criador, da teoria revolucionária, que tem necessariamente de responder às mudanças das realidades e às experiências da prática.
O exame, tanto das históricas realizações como destes funestos acontecimentos, assim como das experiências do movimento comunista internacional, coloca aos partidos comunistas a necessidade de uma redefinição da sociedade socialista seu objectivo e um dos elementos básicos da sua identidade.
Embora contido pelo campo socialista e pelo avanço do processo revolucionário mundial até às últimas décadas do século XX, o capitalismo registou um desenvolvimento que o levou a atingir, no fim do século, a supremacia em termos mundiais.
Dois factores determinaram esta situação.
Por um lado, o desaparecimento da União Soviética e outros países socialistas, o enfraquecimento do movimento comunista internacional e do movimento nacional de libertação, a regressão de processos revolucionários.
Por outro lado, o desenvolvimento do capitalismo nas esferas da produção, da ciência, da investigação científica, das tecnologias revolucionárias e da força militar.
Daqui resultou no findar do século XX, uma alteração da correlação de forças que permitiu ao imperialismo lançar uma gigantesca ofensiva visando alcançar o domínio absoluto em todo o planeta.
Em mais de três quartos do século XX, a tendência geral da evolução foi o avanço do socialismo e da luta libertadora dos povos.
Uma inversão dessa tendência dá-se nas últimas décadas do século. A alteração da correlação de forças, tornou possível ao capitalismo desencadear uma ofensiva “global”.


2
  
A ofensiva imperialista actualmente em curso tem, como objectivo declarado e anunciado, a imposição em todo o mundo do domínio absoluto do capitalismo como sistema único, universal e final.
É esse o significado fundamental da teoria da chamada “globalização”.
Trata-se do maior perigo e da mais sinistra ameaça que defronta a humanidade em toda a sua história.
É certo que alguns aspectos e elementos do desenvolvimento objectivo do capitalismo, tendendo à “mundialização”, se vinham já verificando. Tal o caso da internacionalização dos processos produtivos, das relações económicas e financeiras, da informação e comunicação social, da criação de zonas de integração económica.
É também certo que o imperialismo, na luta “pela divisão do mundo”, tinha já como armas intervenções militares, agressões e guerras.
A ofensiva “global” do imperialismo é porém coisa diferente.
Tendo os Estados Unidos como força fundamental hegemonizante, a actual ofensiva desenvolve-se em todas as frentes.
São instrumentos da ofensiva económica a criação de gigantescos grupos de empresas transnacionais, órgãos diversos com acrescidos poderes de imposição “legal” de regras e políticas (FMI, Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial), apossamento dos recursos e sectores estratégicos dos países mais fracos, cortes de créditos, políticas económicas decididas por órgãos supranacionais a estados membros de uniões de carácter federativo, medidas de estrangulamento financeiro e bloqueios económicos visando forçar à rendição países que se oponham à ofensiva.
Zonas de integração económica tornam-se zonas de integração política, com órgãos supranacionais, ministros supranacionais, submissão efectiva dos mais pobres e menos desenvolvidos aos mais ricos e poderosos.
Este processo agudiza muitas das contradições do capitalismo. Tem, como seu elemento, o alargamento, mesmo em países capitalistas desenvolvidos, de áreas sociais vivendo numa extrema miséria e, em países subdesenvolvidos, povos inteiros com milhões de habitantes morrendo de fome.
Agudiza-se simultaneamente a concorrência, e gera-se a possibilidade de graves conflitos, entre os gigantescos pólos económico-políticos e entre os países mais ricos e poderosos. Entretanto (e esse é um traço novo distintivo) todos se integram na ofensiva “global”.
Significativo dos grandes projectos e planos é a Acordo Multilateral de Investimentos (AMI). Segundo esse projecto, os grandes potentados económicos e financeiros associados poderiam, com o apoio militar necessário, impor, país por país, as formas de exploração, o apossamento dos sectores vitais da economia, o destino dos capitais investidos e criados e ainda a obrigação dos governos fantoches de, com medidas repressivas eficientes, esmagarem eventuais lutas e revoltas dos trabalhadores e dos povos respectivos.
O AMI é como que o projecto de uma carta constitucional do imperialismo na sua ofensiva económica e política “global”.
É sabido que o conhecimento desse projecto, elaborado sob a égide dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha, provocou tão vasta reacção e indignação que foi retirado da consideração imediata. Mas o facto é que foi guardado para consideração ulterior.
A par, e por vezes como instrumento directo da ofensiva económica (estreitamente ligada à acção política e diplomática) a ofensiva militar tem como instrumentos a dominante superioridade em armamentos, nomeadamente dos Estados Unidos, e a NATO como força autónoma supranacional, mas também dominada e comandada efectivamente pelos Estados Unidos.
A ofensiva militar traduz-se em ultimatos, bombardeamentos, intervenções armadas, municiamento e fomento de forças rebeldes contra governos democráticos, intervenções para impor governos tirânicos e governos fantoches, agressões e guerras contra países que se opõem corajosamente ao domínio dos Estados Unidos e de outros países imperialistas, atentados de organizações terroristas e acções militares de terrorismo de Estado.
Acresce a monstruosa institucionalização de um tribunal político internacional comandado pelo imperialismo para julgar e condenar até à prisão perpétua destacados defensores dos seus povos e países.
E ainda a gigantesca poluição da atmosfera, de rios e oceanos pelos países mais desenvolvidos e a rapina e destruição de recursos naturais de países atrasados, que têm como consequência a destruição do equilíbrio ecológico em vastas regiões do globo.
Todos estes aspectos da ofensiva atingem um nível nunca antes atingido e fazem parte do processo de integração mundial das forças do imperialismo na sua ofensiva “global”.
Como perspectiva, o imperialismo proclama imparável e irreversível a ofensiva e anuncia, a título definitivo, a estabilidade e a estabilização final do sistema. No plano ideológico anuncia a universalização do pensamento, o fim das ideologias e o “pensamento único”.
Mas a ofensiva não é imparável e irreversível. E com aquelas noções, espalhadas pela propaganda, o imperialismo procura afinal enganar-se a si próprio. Ou seja: o seu objectivo declarado, de louca ambição, constitui a actual utopia do capitalismo.
Utopia porque, por um lado, o capitalismo, pela sua própria natureza, está roído por contradições e problemas que não consegue ultrapassar. Porque, por outro lado, existem forças que se opõem, que resistem e que, reforçando-se, podem impedir que o imperialismo alcance tal objectivo.
São elas:
a) Os países que, com os comunistas no poder, insistem no objectivo de construir uma sociedade socialista, embora por caminhos muito diferenciados.
b) O movimento operário, nomeadamente o movimento sindical.
c) Os partidos comunistas e outros partidos revolucionários, lutando com confiança e coragem.
d) A resistência potencial de países capitalistas actualmente dominados e explorados pelo imperialismo, com perda efectiva da sua independência nacional.
e) Novos movimentos nacional-libertadores.
f) Movimentos em defesa do meio ambiente, contra o poder e as decisões dos países mais ricos e directamente contra a “globalização”.
Estas são as forças fundamentais para impedir o domínio do imperialismo em todo o mundo. Mas não basta a consciência disso. É indispensável uma actuação correspondente. É necessário reforçá-las e lutar para que coincidam e convirjam.
Tal é o único caminho para travar, dificultar, impedir o avanço da ofensiva do imperialismo e para criar condições que acabem por derrotá-la e por determinar uma viragem na situação internacional.
De lembrar ainda que o imperialismo não se limita ao ataque frontal nas suas várias frentes. Procura activamente dividir as forças que lhe resistem, miná-las por dentro, conduzi-las a desistirem da luta, à autodestruição e ao suicídio.
Em alguns casos tem-no conseguido. Mas, em muitos outros, verifica-se o seu reforço, revitalização, crescente influência e iniciativa.
Importante é difundir, sublinhar, valorizar os exemplos que confirmam esta apreciação.


3
  
O objectivo da construção de uma sociedade socialista de forma alguma impede, antes implica, que um partido comunista tenhasoluções e objectivos a curto e médio prazo que proponha como alternativa à situação existente.
Atenção porém. Uma análise da situação e a definição de uma política têm de partir de realidades básicas do capitalismo, a que correspondem conceitos fundamentais da teoria revolucionária do proletariado:
— a divisão da sociedade em classes, umas que exploram, outras que são exploradas;
— a luta de classes;
— a política de classe dos governos.
Trata-se de realidades e de conceitos. A sua descoberta não se deve a Marx e Engels mas a economistas e filósofos anteriores. O que é novo no marxismo é a análise das situações económicas e políticas concretas tendo na base esses conceitos.
É certo que, em situações pré-revolucionárias e noutras em que se criou um temporário equilíbrio das forças de classe, o poder político, fortemente condicionado, pode conjunturalmente não conduzir uma política ao serviço do capital. Pode mesmo realizar medidas progressistas de carácter anti-capitalista. São porém situações excepcionais e de pouca duração.
Não é o caso de países capitalistas de democracia burguesa. Nesses, o poder político falseia as quatro vertentes da democracia.
A económica – pela propriedade dos sectores básicos da economia pelo grande capital e a submissão do poder político ao poder económico.
A social – pela exploração e a miséria dos trabalhadores e das massas populares e a concentração da riqueza num número limitado de gigantescas fortunas.
A cultural – pela propaganda da ideologia do grande capital, por um sistema de ensino discriminatório para os filhos das classes trabalhadoras, pela propaganda de ideias obscurantistas, pelos atentados à criatividade artística, pela multiplicação de seitas religiosas.
A política – pelo abuso e absolutização do poder e a liquidação dos órgãos e mecanismos de fiscalização democrática do seu exercício, pela alteração inconstitucional da legalidade e das competências dos órgãos de soberania quando as leis em vigor se revelam insuficientes para o exercício absoluto do poder do grande capital.
E toda esta degradação se desenvolve com os pretextos da necessária “estabilidade” e do “Estado de direito”.
A degradação da democracia política – trazendo consigo os espectaculares e teatrais conflitos de chicana parlamentar, o carreirismo, a impunidade e a corrupção – provoca o descrédito da política e dos políticos.
Entretanto, a política é uma actividade necessária e os comunistas e outros verdadeiros democratas são diferentes e melhores na prática política e distinguem-se da chamada “classe política” desacreditada.
Os poderosos meios de comunicação social (jornais, revistas, rádios, televisão, audiovisuais), propriedade e instrumento de grandes grupos monopolistas, não constituem um novo poder independente, como alguns pretendem, mas um instrumento do grande capital na sua ligação dominante com os governos.
Sendo a luta pela democracia um dos objectivos centrais da acção de um partido comunista é indispensável definir quais são os elementos fundamentais dessa democracia.
De um governo é de exigir a simultaneidade e complementaridade das suas vertentes fundamentais. Não basta que um governo se afirme democrático. É necessário que de facto o seja.
É, ao mesmo tempo, necessário definir-se mais concretamente, em cada situação concreta, a democracia pela qual se luta. Numa situação dada, num momento dado, pode, por exemplo, a luta pela democracia dar grande relevo à luta pelo reforço dos elementos de democracia directa e participativa a par da democracia representativa.
As eleições são um dos elementos-base de um regime democrático, mas só assim podem ser consideradas se respeitam a igualdade e se são impedidos os abuso do poder, as discriminações e exclusões. Se estas condições não são conseguidas, as eleições tornam-se uma fraude, um grave atentado à democracia e um instrumento da monopolização do poder, por vezes em alternância, pelas forças políticas ao serviço do capital.
Uma “democracia avançada”, pela qual lutam alguns partidos, é definida como um regime democrático que proceda a realizações progressistas de carácter não capitalista (como a nacionalização de alguns sectores da economia e a liquidação da propriedade latifundiária).
Seja desta forma ou de outra, definidos os objectivos da luta pela democracia num momento dado, os comunistas não podem estar, não querem estar e não estão isolados.
A compreensão da luta de classes, realidade omnipresente na sociedade como motor da evolução histórica, não contraria nem exclui a necessidade de alianças sociais e políticas da classe operária, dos trabalhadores e do seu partido com objectivos concretos imediatos, tendo em conta que a arrumação e correlação das forças políticas assenta na relação e correlação das classes e estratos sociais. A definição correcta de quais podem ser essas alianças exige, primeiro, o apuramento no concreto das alianças sociais objectivamente consideradas, depois, a definição, quando possível, da representatividade de tais ou tais classe e estratos sociais por tais ou tais partidos e da base social de apoio com que estes contam.
Não existem situações iguais. Pode haver, em tais ou tais países, situações económicas, sociais e políticas semelhantes. Há porém sempre diferenças que exigem respostas diferentes. Não há soluções nem “receitas” universais. A cópia de soluções conduz a orientações que não correspondem às exigências da realidade concreta.
Grandes descobertas científicas e tecnologias revolucionárias estão provocando mudanças profundas na composição das classes trabalhadoras e na própria composição social da sociedade nos países desenvolvidos. Neles torna-se particularmente complexa a definição das alianças sociais – base das alianças políticas.
Há, a este respeito, definições muito pouco claras.
No quadro da política de alianças, em numerosos países de democracia burguesa, partidos democráticos, nomeadamente partidos comunistas, têm definido, como seu objectivo, uma política denominada de “esquerda”.
Há casos em que, na orientação desses partidos, esta palavra “esquerda” exclui o apoio ou comparticipação numa política de “direita”. Tem então um significado claro e positivo.
Entretanto, na generalidade dos países, a palavra “esquerda”, no dicionário político contemporâneo, tem um significado impreciso, cheio de incógnitas, contraditório, objectivamente confusionista. Ao definirem-se partidos da “esquerda” ou sectores de “esquerda”, incluem-se com frequência nesse número, além de partidos da “extrema-esquerda” anticomunistas, partidos socialistas e social-democratas que, na sua acção política, defendem e praticam uma política de “direita”.
O mesmo em relação a governos intitulados de “esquerda” ou “da esquerda”. As experiências mostram que, em alguns casos, a participação comunista em governos de partidos socialistas ou social-democratas, tidos como sendo a “esquerda”, significa a comparticipação na realização de políticas de “direita”.
Que se defina como objectivo uma política democrática nas suas quatro vertentes, que se lute por ela e que não se proclame uma política que inclua a participação (ou o objectivo de alcançá-la) em governos como são na actualidade muitos governos que, intitulando-se “de esquerda”, são instrumentos do grande capital, das transnacionais, dos países mais ricos e poderosos, da actual ofensiva “global” do imperialismo visando impor o seu domínio em todo o planeta.
É também o caso dos chamados “pactos de estabilidade” assinados por partidos e organizações sindicais reformistas, que sacrificam direitos fundamentais dos trabalhadores à intenção de superar a actual crise do capitalismo.
Não é esse o caminho que a luta dos trabalhadores, dos povos e nações actualmente exige.
O caminho necessário cabe aos partidos comunistas (e outros partidos revolucionários) defini-lo nas condições concretas dos seus países. Com convicções, com coragem e com a sua identidade comunista.



4
  
O quadro das forças revolucionárias existentes no mundo alterou-se nas últimas décadas do século XX.
O movimento comunista internacional e os partidos seus componentes sofreram profundas modificações em resultado da derrocada da URSS e de outros países socialistas e do êxito do capitalismo na competição com o socialismo.
Houve partidos que renegaram o seu passado de luta, a sua natureza de classe, o seu objectivo de uma sociedade socialista e a sua teoria revolucionária. Em alguns casos, tornaram-se partidos integrados no sistema e acabaram por desaparecer.
Esta nova situação no movimento comunista internacional abriu na sociedade um espaço vago no qual tomaram particular relevo outros partidos revolucionários que, nas condições concretas dos seus países, se identificaram com os partidos comunistas em aspectos importantes e por vezes fundamentais dos seus objectivos e da sua acção.
Por isso, quando se fala hoje do movimento comunista internacional, não se pode, como em tempos se fez, colocar uma fronteira entre partidos comunistas e quaisquer outros partidos revolucionários. O movimento comunista passou a ter em movimento uma nova composição e novos limites.
Estes acontecimentos não significam que partidos comunistas, com a sua identidade própria, não façam falta à sociedade. Pelo contrário. Com as características fundamentais da sua identidade, partidos comunistas são necessários, indispensáveis e insubstituíveis, tendo em conta que assim como não existe um “modelo” de sociedade socialista, não existe um “modelo” de partido comunista.
Entretanto, com diferenciadas respostas concretas a situações concretas, podem apontar-se seis características fundamentais da identidade de um partido comunista, tenha este ou outro nome.
  
1ª - Ser um partido completamente independente dos interesses, da ideologia, das pressões e ameaças das forças do capital.
Trata-se de uma independência do partido e da classe, elemento constitutivo da identidade de um partido comunista. Afirma-se na própria acção, nos próprios objectivos, na própria ideologia.
A ruptura com essas características essenciais em nenhum caso é uma manifestação de independência mas, pelo contrário, é, em si mesma, a renúncia a ela.
  
2ª - Ser um partido da classe operária, dos trabalhadores em geral, dos explorados e oprimidos.
Segundo a estrutura social da sociedade em cada país, a composição social dos membros do partido e da sua base de apoio pode ser muito diversificada. Em qualquer caso, é essencial que o partido não esteja fechado em si, não esteja voltado para dentro, mas, sim voltado para fora, para a sociedade, o que significa, não só mas antes de mais, que esteja estreitamente ligado à classe operária e às massas trabalhadoras.
Não tendo isto em conta, a perda da natureza de classe do partido tem levado à queda vertical da força de alguns e, em certos casos, à sua autodestruição e desaparecimento.
A substituição da natureza de classe do partido pela concepção de um “partido dos cidadãos” significa ocultar que há cidadãos exploradores e cidadãos explorados e conduzir o partido a uma posição neutral na luta de classes – o que na prática desarma o partido e as classes exploradas e faz do partido um instrumento apendicular da política das classes exploradoras dominantes.
  
3ª - Ser um partido com uma vida democrática interna e uma única direcção central.
A democracia interna é particularmente rica em virtualidades nomeadamente: trabalho colectivo, direcção colectiva, congressos, assembleias, debates em todo o partido de questões fundamentais da orientação e acção política, descentralização de responsabilidades e eleição dos órgãos de direcção central e de todas as organizações.
A aplicação destes princípios tem de corresponder à situação política e histórica em que o partido actua.
Nas condições de ilegalidade e repressão, a democracia é limitada por imperativo de defesa. Numa democracia burguesa, as apontadas virtualidades podem conhecer, e é desejável que conheçam, uma muito vasta e profunda aplicação.
  
4ª - Ser um partido simultaneamente internacionalista e defensor dos interesses do país respectivo.
Ao contrário do que em certa época foi defendido no movimento comunista, não existe contradição entre estes dois elementos da orientação e acção dos partidos comunistas.
Cada partido é solidário com os partidos, os trabalhadores e os povos de outros países. Mas é um defensor convicto dos interesses e direitos do seu próprio povo e país. A expressão “partido patriótico e internacionalista” tem plena actualidade neste findar do século XX. Pode, na atitude internacionalista, incluir-se, como valor, a luta no próprio país e, como valor para a luta no próprio país, a relação de solidariedade para com os trabalhadores e os povos de outros países.
  
5ª - Ser um partido que define, como seu objectivo, a construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores, uma sociedade socialista.
Este objectivo tem também plena actualidade. Mas as experiências positivas e negativas da construção do socialismo numa série de países e as profundas mudanças na situação mundial, obrigam a uma análise crítica do passado e a uma redefinição da sociedade socialista como objectivo dos partidos comunistas.
   
6ª - Ser um partido portador de uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que não só torna possível explicar o mundo, como indica o caminho para transformá-lo.
Desmentindo todas as caluniosas campanhas anticomunistas, o marxismo-leninismo é uma teoria viva, antidogmática, dialéctica, criativa, que se enriquece com a prática e com as respostas que é chamada a dar às novas situações e aos novos fenómenos. Dinamiza a prática, enriquece-se e desenvolve-se criativamente com as lições da prática.
Marx no “O Capital” e Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista” analisaram e definiram os elementos e características fundamentais do capitalismo. O desenvolvimento do capitalismo sofreu porém, na segunda metade do século XIX, uma importante modificação. A concorrência conduziu à concentração e a concentração ao monopólio.
Deve-se a Lénine, na sua obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, a definição do capitalismo nos finais do século XIX.
Extraordinário valor têm estes desenvolvimentos da teoria. E igual valor têm a investigação e a sistematização dos conhecimentos teóricos.
Numa síntese de extraordinário rigor e clareza, um célebre artigo de Lénine indica “as três fontes e  as três partes constitutivas do marxismo”.
Na filosofia, o materialismo-dialéctico, tendo no materialismo histórico a sua aplicação à sociedade.
Na economia política, a análise e explicação do capitalismo e da exploração, cuja “pedra angular” é a teoria da mais-valia.
Na teoria do socialismo, a definição de uma sociedade nova com a abolição da exploração do homem pelo homem.
 
Ao longo do século XX, acompanhando as transformações sociais, novas e numerosas reflexões teóricas tiveram lugar no movimento comunista. Porém, reflexões dispersas, contraditórias, tornando difícil distinguir o que são desenvolvimentos teóricos, do que é o afastamento revisionista de princípios fundamentais.
Daí o carácter imperativo de debates, sem ideias feitas nem verdades absolutizadas, procurando, não chegar a conclusões tidas por definitivas, mas aprofundar a reflexão comum.
É de esperar que o Encontro Internacional na Fundação Rodney Arismendi de Setembro do ano corrente dê uma contribuição positiva para que este objectivo seja alcançado.
  




sábado, 5 de fevereiro de 2011

Guerra Colonial (3)

Estes 3 textos foram retirados de http://www.agencia.ecclesia.pt


Paulo VI: Rezar por todos em tempo de guerra

João Miguel Almeida, historiador

No avião que levava pela primeira vez um Papa a visitar o Santuário de Fátima, em 1967, um jornalista do diário comunistaPaese Sera perguntou-lhe: «Santo Padre, rezará também pelos povos oprimidos de Angola e Moçambique?» «Por todos», respondeu Paulo VI.
Este diálogo, relatado pelo Le Figaro e reproduzido no jornal católico clandestino Direito à Informação, passa despercebido num dos momentos mais delicados nas relações entre o Estado português e o Vaticano, crispadas pela guerra colonial.
As cautelas tomadas por Paulo VI na visita - aterra em Monte Real sem passar em Lisboa, aloja-se na diocese de Leiria em vez de ser hospedado pelo Governo, reza pela paz no mundo, em especial no Vietname - não impedem o episódio de ser visto como um triunfo diplomático do Estado Novo. Alguns opositores católicos ao regime afastar-se-ão mesmo da Igreja.
A tensão entre o Estado português e o Vaticano não provinha apenas do facto da questão colonial portuguesa ter levado alguns católicos a oporem-se ao regime, incluindo membros do clero. A intenção de aggiornamento da Igreja Católica levava-a a ver, além do nacionalismo de uma ditadura que resistia orgulhosamente só, a esperança de novas gerações, africanas e europeias, e de novas dinâmicas da política internacional.
Em Dezembro de 1960 o padre Joaquim Pinto de Andrade foi preso e a Assembleia-Geral da ONU aprovou, apesar da oposição do Governo português, a resolução 1542 (XV) na qual é declarado que a negação da autodeterminação, tal como a ONU a define, «constitui uma ameaça ao bem-estar da humanidade e à paz internacional».
A encíclica Pacem in Terris, publicada em Abril de 1963, teve um cunho de testamento espiritual de João XXIII. Uma das frases da encíclica era: «As pessoas de qualquer parte do mundo são hoje cidadãos de um Estado autónomo e independente ou estão para ser». A palavra «independente» é cortada na edição oficial do texto em Portugal, na União Gráfica.
A 11 de Julho de 1963, o novo Papa, Paulo VI recebe o Secretário-Geral das Nações Unidas U Thant e a 4 de Outubro desse ano discursa nas Nações Unidas, apelando à paz e ao desarmamento e advertindo contra o colonialismo, para choque do Governo português.
A viagem de Paulo VI ao Congresso Eucarístico de Bombaim, em 1964, foi um momento de alta tensão entre o Governo português e o Vaticano, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Franco Nogueira, a considerar tal viagem um «agravo gratuito, inútil e injusto a Portugal» por causa da anexação de Goa pela União Indiana.
A visita papal será censurada em Portugal, embora noticiada com êxito na imprensa clandestina. O futuro cardeal patriarca D. António Ribeiro é afastado das funções que exercia na RTP por defender o carácter missionário da visita do Papa à Índia.
A visita de Paulo VI a Fátima em 1967, que começa a ser negociada em plena crise da visita papal a Bombaim, resulta num efémero triunfo para o governo português. Mas as divergências de fundo subsistiam e serão relatadas dramaticamente pela imprensa internacional quando Paulo VI recebe, a 1 de Julho de 1970, três líderes de movimentos de libertação africanos: Marcelino dos Santos, de Moçambique, Agostinho Neto, de Angola, e Amílcar Cabral, da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Paulo VI ter-lhes-á dito «A Igreja está do lado dos países que sofrem» e oferecido a cada um exemplar, em latim e português, da encíclica Populorum Progressio.
O Governo português protesta e o secretário de Estado da Santa Sé procura minimizar o incidente sublinhando o carácter discreto do encontro e que Paulo VI nada dissera que pudesse ofender a Portugal. Estas explicações são adaptadas por Marcello Caetano, o qual chega a insinuar que Paulo VI não tivera total consciência da identidade dos seus interlocutores. E afirma na televisão: «as relações com a Igreja não chegaram a toldar-se sequer.»
Tanto os responsáveis do Estado Novo como a diplomacia vaticana viveram em estado de negação e de minimização de prejuízos de um conflito de fundo. Em Portugal subsistia penosamente um regime que se afirmara nos anos 30 sob o signo do império colonial e o colapso das democracias liberais.
A Igreja Católica enveredara por um aggiornamento com aspectos contraditórios e sujeitos a crises, mas que avançava no terreno social e político. O Estado Novo renunciou, com Marcello Caetano, à justificação do colonialismo pelo cumprimento de uma missão providencial portuguesa, mas não podia ou não queria descolonizar.
A abertura da Igreja Católica ao mundo precisava de ultrapassar uma certa visão eurocêntrica para se tornar mais presente noutros continentes. O regime via na guerra colonial uma necessidade, pois a presença portuguesa em África era oficialmente indiscutível. A Igreja Católica declarava que todos os meios deviam ser discutidos e tentados para chegar à paz, pois, segundo a fórmula do tema escolhido por Paulo VI para 1973, «A paz é possível».
João Miguel Almeida, historiador, investigador do CEHR

Guerra Colonial (2)

Um capelão em Angola

Agostinho Brígido, missionário espiritano e capitão do Exército

Cheguei a Angola em Abril de 1961. Em 1967 fui escalado para Capelão Militar e com o Batalhão que me coube em sorte, fomos para Angola, colocados no saliente de Cazombo, Alto Zambeze, onde existia uma Missão confiada aos Missionários Beneditinos. 
Felizmente que se criou logo uma boa relação entre a tropa e a Missão, gerando-se logo um grande apreço pelo seu trabalho missionário. 
Depois de algum tempo de estadia em Cazombo, um Oficial e eu, fomos visitar a Missão. No fim da visita esse oficial, surpreendido com o que viu e escutou, desabafa comigo: «Sr.Capelão, confesso que tinha uma ideia errada sobre as Missões. Agora vejo o seu trabalho de dedicação a favor deste povo. Pessoas com cursos que se isolaram aqui com tantos sacrifícios por amor a esta gente aqui esquecida. É a missão que vale a este povo! O que seria desta gente sem a missão?» 
No tempo da guerra a actividade dos Missionários estava bastante limitada porque não podiam sair em visita às suas Comunidades. Mas aquele Oficial apercebeu-se do trabalho da Missão no campo da escolaridade das crianças que sem a Missão não tinham possibilidades de aprender. Os jovens e adultos que se concentraram ao redor da Missão eram objecto de uma atenção constante. 
Ao lado da Missão masculina, onde viviam 2 sacerdotes, um deles bastante novo, havia a Missão das Irmãs Beneditinas. Eram 4 Irmãs de diversas nacionalidades. 
As Irmãs mantinham uma escola de formação com algumas meninas em sistema de internato. Uma competente e dedicada Irmã enfermeira era quem valia a tantos doentes que acorriam à sua ajuda. Esta Irmã fazia autênticos milagres no campo da saúde e se fosse preciso sair de noite da sua residência (e a zona era perigosa!) para atender um doente ela não hesitava. 
E foi o testemunho de dedicação e entrega destes Missionários/as àquela gente que granjearam a admiração e estima de todos os elementos do Exército ali estacionados. 
No saliente de Cazombo, em Cavungo, havia também uma outra Missão, esta protestante. Possuidora de outros meios materiais, desenvolvia igualmente um trabalho muito meritório em todos os campos, sobretudo na escolaridade e saúde. Em terras do “fim do mundo”, em condições tão difíceis, eram as missões que promoviam e valiam àquela boa gente «Luena». 
Pe. Agostinho Brígido, Espiritano e capitão do Exército

Guerra Colonial

Um grito contra a guerra

Jorge Wemans, preso em Caxias na sequência do caso da Capela do Rato

Ao princípio da noite de 31 de Dezembro de 1972 a polícia de choque bloqueou com grande aparato todos os acessos à Calçada Bento da Rocha Cabral e intimou os que se encontravam no interior da Capela do Rato a abandonarem-na. Não tendo sido obedecidas, as forças policiais, apoiadas por cães, invadiram-na, arrastando para o exterior todos os que ali estavam. Mais de uma centena de pessoas foi, sob voz de prisão, conduzida para identificação na esquadra da PSP do Rato.
A maioria foi posta em liberdade, mas um grupo foi levado para as masmorras do Governo Civil. Destes, 13 seriam, ainda nessa noite, enviados para a prisão de Caxias. Terminava, desta forma abrupta, a vigília de reflexão sobre a guerra colonial que havia começado 24 horas antes e em que muitas centenas de pessoas tinham participado, entrando e saindo livremente da Capela.
No dia 1 de Janeiro, apesar da proibição policial, celebraram-se na Capela do Rato as missas da manhã, tal como o Cardeal-Patriarca, D. António Ribeiro, havia determinado. No final da última missa os dois padres celebrantes foram presos pela PIDE/DGS. Um deles só seria solto depois de D. António Ribeiro passar uma hora à porta da António Maria Cardoso garantindo que dali só saía levando o preso.
Resumidos em curtos parágrafos, os acontecimentos daquilo que ficou para a história como “O Caso da Capela do Rato” parecem indicar que o afrontamento entre o Governo e a Igreja Católica a propósito da guerra colonial era permanente e total. Nada mais enganador! Pelo contrário, ao fim de uma década de guerra o silêncio dos católicos e da hierarquia católica era ensurdecedor!
É certo que ela já não colhia o apoio entusiástico que a Igreja lhe oferecera nos primeiros anos. Mas a guerra colonial permanecia como assunto tabu, reprimindo-se, dentro da própria Igreja Católica, quem ousasse divulgar os casos mais violentos de massacre e tortura, ou, mais simplesmente, pretendesse reflectir no âmbito eclesial sobre a justeza da guerra.
Então como explicar os acontecimentos da Capela do Rato?
Desde o início da guerra, na continuidade da sua oposição à ditadura salazarista, que um conjunto não organizado de católicos vinha pontualmente questionando as opções do regime. Algumas iniciativas, como a vigília de São Domingos, a fundação da cooperativa Pragma, a carta aberta ao ditador, o apoio ao Bispo do Porto (expulso por Salazar), a criação da Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos foram pontuando os anos sessenta.
As relações com movimentos e instituições internacionais (eclesiais e multilaterais) permitiram encontrar solidariedades, textos, reflexões e tomadas de posição que obrigavam a questionar a guerra. Toda a acção de Paulo VI, bem como as suas tomadas de posição e a criação das Comissões Justiça e Paz foram decisivas para despertar as consciências de alguns católicos em Portugal. Mas num país controlado pela censura e pela sistemática apreensão de livros, textos e correio, numa altura em que ainda não existiam nem fotocópias, nem telemóveis, nem Internet, a informação contrária aos interesses do regime circulava devagar e aos soluços.
A partir do final da década de sessenta o número de católicos contra a guerra colonial começou a crescer rapidamente. As eleições de 1969 (com vários católicos envolvidos nas listas de oposição) representaram o canto do cisne da “abertura marcelista”. Cada vez era maior o número de jovens regressados da guerra, testemunhando os seus horrores e sua bestialidade, dando ao mesmo tempo testemunho de uma realidade colonial que era toda ao contrário da “acção evangelizadora e civilizacional” que o discurso oficial da Igreja e do Estado proclamavam. O movimento estudantil tinha iniciado uma fase de radicalização a que a ditadura respondia com cargas policiais, fecho de Faculdades, expulsão de estudantes.
Neste contexto, a oposição à guerra, como imperativo da fé em Jesus Cristo, foi fazendo o seu caminho na consciência de dirigentes dos movimentos juvenis da acção católica, em algumas comunidades, em membros das comunidades religiosas, em padres seculares e em outros grupos eclesiais.
Mais do que um grupo organizado, o que esteve na base do Caso da Capela do Rato foi a convergência de diversas pessoas e grupos mais ou menos informais, marcados por uma solidariedade que já tinha sido testada em anteriores acções de distribuição de panfletos denunciando a guerra colonial, de circulação de livros, textos e informação anticolonial. Rede de relações e solidariedades de que a comunidade a que o Pe. Alberto Neto presidia na Capela do Rato fazia parte. E por isso a iniciativa da vigília pela paz só ali foi possível.
Jorge Wemans, preso em Caxias na sequência do Caso da Capela do Rato, Director da RTP2